Dona Zilu, uma velha senhora viúva, morou durante toda sua vida naquela aldeia à beira mar. Bastante querida pela vizinhança, vivia sozinha em sua choupana desde que há muitos anos enviuvara.
Vivia de sua pequena aposentadoria e dos artesanatos que fazia para vender na praia aos turistas, que encantados, não resistiam à sua simpatia e beleza de seus trabalhos manuais.
Apesar de sua simpatia e cordialidade, Dona Zilu carregava uma grande tristeza e duas imensas saudades: a de seu marido seu Tião e de seu filho Tiãozim, que haviam se perdido no mar há muitos anos, pois eram pescadores.
Seu único filho, ainda um rapazinho, sempre acompanhou seu pai nas pescarias, que eram seu modo de sustento na época. Um dia, depois de um forte temporal , não chegaram da pesca. A guarda costeira só achou o barco de seu Tião e os corpos nunca foram encontrados.
Dona Zilu nunca perdeu a esperança de encontrá-los, por isso sempre deixava à noite , uma lanterna acessa em frente à sua choupana e acendia uma vela num pequeno oratório na esperança de que os espíritos dos afogados, aflitos e perdidos no fundo do mar, tivessem um pouco de luz, com suas orações, a vela acesa e também a lanterna. Essa era a sua crença.
Algumas pessoas achavam aquilo muito estranho.
Depois daquele ritual, a velha senhora chorava de saudades olhando para o mar e, assim, a viúva ia vivendo sua vida.
Numa determinada noite, depois de realizar o ritual citado, dona Zilu foi interpelada por dois estranhos. Armados e usando de violência, arrastaram a senhora paea dentro de casa e queriam saber onde estava o dinheiro, pois viram na praia que ela ganhava bem vendendo as “quinquilharias” dela.
Dona Zilu negou, já muito ferida pela coronhada na testa que levara. Dizia que não havia dinheiro, pois havia ido ao banco e depositado o que ganhara naqueles dias. Porém, a fim de que ela confessasse, bateram muito mais nela, que implorava para que parassem.
Os ladrões reviraram a choupana, destruíram seus trabalhos manuais e seus poucos pertences, mas só acharam algumas moedas dentro de um dos potes. Foi quando ouviram passos na soleira da porta.
Depois de um estrondo forte que derrubou a porta da choupana, constataram horrorizados vários corpos em estado de putrefação, já muito decompostos, dilacerados e inchados. Eram cadáveres carcomidos pelo tempo, pelo mar e pelos peixes. Dezenas deles, que ganiam, rosnavam e violentamente agarraram os dois bandidos pelos cabelos e pelas roupas.
Horrorizados, os bandidos berravam, enquanto os cadáveres iam caminhando lenta e pesadamente em direção à praia os arrastando para o fundo do mar. Dona Zilu ainda no chão, zonza e com muita dor, viu quando os dois últimos corpos a entrarem no mar, pararam, viraram-se e olharam fixamente para ela…
Ela, mesmo muito ferida e com muito esforço, ergueu sua mão, sorriu e acenou lentamente, sussurrando:
— Meu Tião, meu Tiãozim, meu filho, adeus…
Após isso, aqueles espectros, seguiram seu caminho lentamente de volta ao mar.