Ressurgida dos Mortos

por Mundo Sombrio
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“Valentina”… Era o que os pais dela, as amigas e a lua lhe chamavam. Ela era estudante, filha, colega de turma…, uma fada, num mundo povoado de monstros. Seu sorriso era um bálsamo removido de mágoas, seu olhar era o prêmio para as feras cansadas. No entanto, uma festa foi o suficiente para desaparecer.

Ao abrir os olhos, percebeu que a escuridão tinha engolido todos os vestígios de cor. O sangue mantinha seus lábios pintados de vermelho. Uma corda dava aos pulsos, um abraço cruel, impedindo-os de se juntarem. O frio atacava-a violentamente, pois as roupas dela não eram para proteger o corpo.

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A brutalidade do silêncio, lembrou-lhe que não havia ninguém à quilômetros de distância e que gritar novamente só magoaria a garganta inutilmente. A madrugada estava morrendo e o sol já havia lançado seus primeiros raios.

Valentina evocou memórias para combater a imensa quietude: música, danças e risos jogados ao vento foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Depois, lembrou-se de um casaco preto cobrindo sua cabeça, quando se preparava para voltar prá casa.

Nos lados, os braços doloridos, das pegadas durante um tumulto. Nos seios, tinha o rastro de beijos apanhados à força. No resto do corpo, tinha a devastação da mais violenta “paixão” do rapaz que a tinha arrastado para aquele lugar solitário.

Enrolada pelo torpor, Valentina acariciou as poucas roupas que ainda usava e ficou surpresa, ao encontrar um pequeno colar, com um pingente em forma de urso, que ainda estava pendurado no pescoço dela.

Ao lembrar de sua origem, sentiu vontade de chorar, mas queria manter-se forte, para que a solidão não risse dela. Sabia que, assim que amanhecesse, iria morrer – “ele” tinha-lhe dito isso ontem!

Lembrou-se de ver o sol e a lua morrerem e nascerem por muito tempo, mas não se lembrava exatamente de quantos dias estava presa. Hoje, quebrando-lhe toda a esperança, “ele” a mataria!

Valentina passou algumas horas olhando a janela. O sol bocejou, enquanto acordava e seus raios acariciaram a madeira e as árvores, dando cor à desolação que a rodeava.

As dobradiças da porta gritaram como um rato, quando ele chegou. Seus sapatos machucaram a madeira do chão, enquanto ele a pisava, seus lábios emitiram uma saudação grotesca, dirigida para sua vítima amarrada.

Valentina manteve os olhos fixos no nada, enquanto ele lhe falava ao ouvido, contando-lhe sobre “quão benevolente seria a sua morte”, se ela se comportasse bem desta vez:

“– Se você me agradar, você não sofrerá tanto!” – disse ele, enquanto um sarcástico sorriso lhe esticava os lábios.

O rapaz soltou as mãos de Valentina e, lentamente, as dirigiu para o rosto dela, baixou-as para o peito e depois baixou um pouco mais. Ela parecia não estar presente, sua mente tinha fugido para um lugar distante.

Então, simplesmente, deixou-o fazer o que quisesse com o seu corpo… pois já se considerava morta de qualquer maneira.

***

Magda, a mãe de Valentina, olhava para uma foto, enquanto a dor, como um parasita, mordia seu coração. A tristeza tinha espremido até a última lágrima, seu coração não era mais que uma pequena besta exausta.

Eles procuraram Valentina durante semanas. Procuraram na casa onde tinha sido a festa, procuraram na casa das amigas, procuraram debaixo das pedras… Perguntaram à todos que a conheciam, mostraram sua foto para centenas de pessoas, que negaram com a cabeça indiferentemente.

Sua filha virou pó, cinzas, a memória mais feliz é agora dolorosa. Eles não a encontraram e a esperança foi uma tocha que se apagou, enquanto eles caminhavam pelas ruas.

Agora Magda sentava-se à mesa com uma xícara de café, que não estava disposta a tocar e o olhar perdido, que se concentrava em um ponto fixo na parede.

Abraçou suas memórias com raiva selvagem, pois isto era tudo o que restava de Valentina. Na noite em que ela se foi, deu-lhe um beijo na bochecha como despedida. Magda se censurou com gritos internos, por não ter a abraçado com mais força.

Quando Valentina estava indo para a porta, a pequena Bruna saiu de um vaso e a assustou de brincadeira. Valentina abraçou a irmãzinha depois do susto, beijou-lhe a bochecha e pediu-lhe para se portar bem.

Bruna, sabendo que a irmã mais velha iria à uma festa, deu-lhe um colar. Pensou, inocentemente, que isso a tornaria mais elegante, já que carregava nele, um enorme pingente em forma de urso.

Essa foi a última vez que ela foi vista, a última vez que a sentiram por perto. E essa também, foi a última vez que o mundo fez sentido… Lágrimas caíram dentro do café de Magda.

A impotência se aconchegou em seus olhos, seu choro “fez a terra tremer”. O coração dela reclamou: “me mate, estou cansado de bater inutilmente”!

A pequena Bruna entrou na cozinha, segurando o telefone com as duas mãos:

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“– Mãe… estão te chamando!”

***

Um homem estava pregando uma placa de sinalização na beira da estrada. Algum idiota derrubou a anterior e a Polícia Rodoviária o chamou, forçando-o a acordar cedo para consertar. Ele odiava os estranhos, “eles só vinham para destruir a sua preciosa paz”, dizia.

O homem resmungou por muito tempo e, assim que o sinal ficou colocado, deu as costas e se preparou para voltar prá casa.

Ao dar meia volta, viu ao longe, uma silhueta que caminhava de forma cambaleante, como se fosse um “zombie”. Franziu a sobrancelha e aproximou-se cuidadosamente.

Ao encurtar a distância, ele percebeu que era uma garota seminua, com sangue no rosto e uma cara desesperada. O homem correu para ela e viu-a cair no chão, segundos antes dele chegar. Levou-a para o carro, fez uma chamada e foram para o hospital da cidade.

Dois dias depois, numa cabana próxima, encontraram o corpo de um rapaz. Tinha partido o pescoço ao cair das escadas. No seu olho direito, tinha um pingente em forma de urso enterrado!

*****

Por Santiago Pedraza

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