Não sei bem o que falar sobre os meus avós, entende? Eles foram os meus pais. Não são os melhores em demonstrar amor, mas me criaram sem nenhum tipo de rejeição, apesar das mortes dos meus progenitores.
O meu vô, desde quando eu era muito pequeno, tem problemas graves com os seus ossos e, por isso, sempre viveu preso em sua cama. A minha avó, quem colocava a casa para frente, é uma mulher séria, quase não mostrava quando estava feliz e sempre estava cumprindo sua obrigação como mulher e como mãe, já que foi ela quem me criou.
Eu sabia que o meu pai, que no caso é o meu avô, estava quase à beira da morte, uma vez que os seus problemas afetaram os seus órgãos e não teria mais do que uma semana de vida. Ele me pediu para comparecer em uma quarta-feira, às 3:45 da tarde, para me contar um segredo de família.
Ele nunca foi de conversar além do necessário e me disse que tem uma coisa que acontecia todas as noites, após uma hora da madrugada, no quintal da nossa casa.
O velhote foi direto ao ponto e me disse como conquistou a vovó. Ele me contou que fez um desejo, em uma caixa que aparece todas as noites após uma hora da madrugada no nosso quintal. Só havia três regras: não podia desejar a ressurreição de ninguém, controlar o tempo e nem anular um desejo já feito. Pelos seus olhos, deu para entender que tinha algo a ver com a vovó e a união dos dois.
Nesse ponto, não duvidaria do coroa, porque sei que, apesar da idade, ele nunca foi de mentir e é uma das pessoas mais sérias que eu conheço. Ele continuou dizendo que essa caixa é algo especial e que ninguém a conhece, além da nossa família. Falou também que você poderia desejar qualquer coisa, que aquele objeto faria por você, não importando as circunstâncias. O que você quiser, basta apenas escrever o seu desejo e deixar dentro da caixa quando ela aparecer…
Porém, nem tudo é um mar de rosas, já que além, de cumprir o desejo, vai também fazer qualquer coisa que você sinta mais medo surgir em sua vida, como uma faca de dois gumes.
Aguardei, sentado em uma cadeira de madeira, até que o relógio deu uma e uma da madrugada. Não aconteceu nada demais. Fui caminhar pelo local, até que vi algo que nunca esteve ali: era uma caixa dourada e fechada em cima de um banco. Metade de mim estava acreditando no idoso, que estava em uma cama e a outra ficava imaginando que era apenas um velho homem com a saúde e a mentalidade debilitados com o passar do tempo, imaginando coisas.
Saí do quintal, deixando a caixa lá com o pedaço de papel e fui me deitar na velha casa onde morei na minha infância. O dia amanheceu, não é sempre que você acorda livre e sem ter nada preso em seus braços… Fui até a cozinha e senti o cheiro de café fresco, com aqueles pães que não mofados, e comi, pela primeira vez, sentindo o gosto de comida que não eram restos. Fui até o quarto e encontrei o meu avô morto, com a cara toda torta, com as mãos no peito e mostrando que sentira muita dor antes da sua morte.
Fiquei muito feliz vendo aquilo, pois foi tudo que sempre desejei. Queria que aquele velho maldito morresse de uma só vez, acabando com o pesadelo da minha infância…
Passei anos e anos sofrendo com aquele desgraçado me prendendo em um porão e fazendo atrocidades comigo, se aproveitando da minha inocência e da minha fragilidade. Com aquele corpo de merda debilitado, que mal conseguia se levantar, mas tinha forças suficientes para torturar a minha pessoa.
No mesmo momento em que estava carregando um sorriso no meu rosto, senti algo estranho na minha boca e comecei a perder as forças… Acordei naquele maldito porão, preso na mesma gaiola que sempre estive e sem entender o que estava acontecendo. Foi quando a vovó apareceu, com o rosto expressando o olhar bem diferente que carregou em sua vida toda, ela me disse as seguintes palavras:
– Sempre estive presa nesse desejo infernal que era viver ao lado daquele monstro para tentar ajudá-lo a continuar vivo. Com dificuldades para sustentar esse neto que sobreviveu em um acidente de carro. Agora, eu estou livre e não posso me vingar daquele maldito… Mas posso, de alguma forma, saciar o meu desejo de justiça com a pessoa mais próxima a ele, que é você mesmo, rapaz. O seu olhar é o mesmo do seu avô e a sua forma doentia de se comportar lembra ele… Eu vou fazer com que sofra até a morte, pois, agora eu posso me vingar e o meu desejo foi esse: quando encontrei liberdade com a sua estupidez.
Ela disse, com um sorriso que eu nunca tinha visto em toda a minha vida, olhando para a mesa com as várias peças de ferro que ele tanto usou em mim.
O meu fraco corpo não tem condições de lutar, nem tem como escapar. Aquele desgraçado tinha dito que eu poderia sair daqui, em seus últimos momentos de vida. Encontrei a salvação naquela caixa, mas a vovó também encontrou e está agora cumprindo com seu dever.
O pior de tudo não é isso… é saber que ela queria apenas se vingar, mas ele está morto, e eu estou aqui para cumprir, mais uma vez, essa sentença cruel… O mais terrível é saber o desejo da minha vovó: ela não queria que sua vida durasse muito mas, de acordo com as regras da caixa, ela não irá morrer tão cedo.
Tento gritar mais uma vez por socorro, e ela, com o seu rosto completamente fora de si, gargalha falando o nome daquele maldito, como se tivesse diante dele, e não para de me torturar. Eu estou vivendo mais uma vez sob a maldição daquela caixa, saciando o seu desejo de vingança e vivendo o pesadelo da vovó, que é estar viva…
ESCRITO POR: Sinistro
ADAPTAÇÃO: Mundo Sombrio