Desde criança me sinto diferente dos outros. Imaginava que melhoraria com o passar dos anos, mas o vazio que sinto só aumentou a cada dia. Fui criado por minha mãe, uma baiana forte e trabalhadora. Vendia comida na rua e fazia diárias nas casas dos outros, mas nunca teve vergonha de nada que fosse para me sustentar.
Em minha casa não faltava amor. Morávamos em uma casinha simples ao lado dos meus avós e, na vizinhança, moravam meus tios e primos. Brinquei muito na rua. Tive uma infância pobre e cheia de fantasias. Porém, repito, era como se me faltasse algo.
Em diversas situações, tentei me relacionar com outras pessoas e, no final das contas, me sentia irritado e desistia. Como atualmente existem aplicativos no celular para encontros, tentei conhecer muitas mulheres. E sempre foi um fiasco. Ou eu não as suportava, ou elas não me achavam atraente. Talvez porque meu nariz seja um pouco avantajado. Atribuí algumas vezes o meu fracasso à ausência de um pai para me instruir em como me comportar num cortejo de uma menina. Minha mãe nunca falava dele e ficava possessa quando eu perguntava.
Entretanto um dia, esta maré de azar teria que passar. E passou. Conheci uma jovem em uma festa e ela logo demonstrou interesse em mim. Quando cheguei para falar com ela, evidentemente rolou uma química. Acabamos nos distanciando das pessoas e tivemos um momento íntimo. Rapidamente me apaixonei pela moça e fui correspondido. Com o passar do tempo, vimos que eram sérios os nossos sentimentos e começamos a namorar.
Levei minha namorada para conhecer minha família, e foi uma festa enorme. Eles gostaram muito dela. Todos me parabenizavam e até brincavam que ela era bonita demais para mim. Fiquei muito feliz, mas logo após uns dias, me decepcionei demais. Ela terminou comigo. Fiquei arrasado por algumas semanas, pois não compreendia o que a tinha levado à aquela decisão.
Por este término tão estranho, preferi ficar um tempo em casa remoendo o passado. Certa noite, eu fiquei sozinho em casa, pois minha mãe tinha ido trabalhar em uma festa junina, quando ouvi um barulho na porta. Ao abrir, me deparei com um homem muito vistoso e que simplesmente foi entrando na casa. Ele me abraçou e disse para ir com ele. Assustado demais com aquilo, eu disse que não iria. E ele insistiu, me puxando com força. Eu fiquei resistindo até que ele desistiu e quis conversar.
Ele dizia ser meu pai. Fiquei emocionado até reparar que ele parecia jovem demais para ter um filho de vinte anos. Ele me contou que minha mãe havia o conhecido na Amazônia, durante uma festa junina que tinha ido e que eles saíram, culminando na minha concepção. Ele me procurou por muitos anos e não conseguiu me encontrar, porém agora sabia que era por morarmos na Bahia.
Após este resumo da história, ele insistiu em me levar. Eu não iria com alguém que contou uma história tão absurda e continuei pressionando para obter mais detalhes. Então, ele me disse que havia seduzido minha mãe na festa e a levado para um rio para ter relações sexuais com ela, mas que ela não se lembrava e, por isso, não revelava minha paternidade. Senti nojo dele. Ele abusou da minha mãe! Parti para cima dele e ele me enfrentou, me bateu e continuou a história.
Para descobrir onde eu morava, ele também seduziu a jovem que eu estava namorando e, quando ela descobriu onde eu morava, terminou comigo porque sua missão havia encerrado. Por isso, ele me encontrou. Me senti apunhalado pelas costas, pois eu gostava dela de verdade. Dizendo estas coisas horríveis, ele me puxou pelos braços e falou que eu iria com ele querendo ou não.
Quando dei por mim estava na beira de um rio com alguns pescadores indígenas me encarando. Fiquei muito agitado, xinguei aqueles homens, quis correr. Eles, no entanto, me seguraram até que eu me acalmasse e me disseram que eu estava na Amazônia. Eu ri de início. Como eu havia parado lá? Onde estava o homem que dizia ser meu pai?
Os indígenas me contaram que estavam pescando à noite quando me viram me debatendo no meio do rio, como se estivesse lutando contra algo e estava quase me afogando. Eles me recolheram e eu perdi a consciência. Havia acordado na manhã do dia seguinte. Quando eu contei o que eu me lembrava, eles afirmaram com grande certeza que o homem que me procurou era o boto cor de rosa. Novamente eu ri. O Boto só seduzia moças, dizia a lenda. Eles disseram que eu não conhecia a história e que havia muitos mistérios ali.
Consegui um telefone para ligar para minha mãe, que estava em pânico com meu desaparecimento. Quando lhe contei o que havia acontecido, ela chorou desesperadamente e confirmou que realmente esteve na Amazônia e que sabia que tinha engravidado nesta viagem, mas que sempre imaginou que havia se embriagado e algum homem lhe abusado, pois não se lembrava de nada.
Consegui passagem para voltar para minha casa somente para o dia seguinte. Estava passado com a possibilidade de ser filho de um folclore. Fiquei na aldeia indígena que me socorrera, pois não conhecia mais ninguém além daqueles homens. Sentei à beira do rio e comecei a ficar agitado. Eu queria pensar em como tudo aquilo tinha acontecido comigo, mas senti um tormento enorme. Foi quando o homem que dizia ser meu pai apareceu. Ele disse que eu iria com ele, pois ele iria me encontrar onde quer que eu fosse porque eu pertencia a ele. Então ele me empurrou para dentro do rio. Novamente apaguei. Acordei com os mesmos indígenas me socorrendo como da outra vez.
Eles ficaram comigo o tempo todo até o momento de embarcar. Me recomendaram não retornar para casa, pois o boto sabia onde eu vivia. Mesmo assim eu insisti e, novamente, aquele homem retornou.
Desde então, vivo mudando de casa, de cidade, de Estado… Mas ele sempre me encontra e diz que sou seu e que devo retornar para o fundo do rio.
Minha mãe amaldiçoa todos os dias a viagem que fez e o sofrimento que me proporcionou. Ela não tem culpa. Mas o boto… Ah…! Um dia eu descubro um jeito de matá-lo por isso.
História de Terror escrita por Mundo Sombrio