De uma família de oito filhos, Pedro Plínio era o único homem e o filho caçula. Ele era diferente. Talvez por ter crescido em meio às irmãs, ele sentia-se um pouco excluído. Mas era ele quem ajudava o pai na roça, desde os treze anos, quando algo estranho começou a lhe ocorrer. Algumas noites de terça ou sextas-feiras ele saia e retornava somente no outro dia.
Seu pai notava algo estranho e lhe interrogava, mas ele dizia de modo confuso que não se recordava de absolutamente nada.
O tempo passou e Pedro Plínio virou um homem, aliás, um homem considerado por todos na Comunidade, porque ajudava muita gente, ele visitava os doentes, ele estava sempre nos velórios e auxiliava a todos que dele necessitavam na Comunidade de Cárpoles. Mas, estranhamente nas noites de terça e sextas-feiras, ao cair da tarde, exatamente às dezoito horas, ele desaparecia.
Só viam Pedro Plínio no dia no seguinte. Cansado, com as vestes rasgadas e abatido, ele não falava muita coisa. Às vezes parece que ele havia levado uma surra de chicotes, ou coisa do tipo. Mas quando perguntavam, ele não se lembrava de nada.
Algumas pessoas como dona Izolina, antiga moradora da Província que auxiliava a todos por ser uma mulher bondosa, começou a notar que aquele homem, quando aparecia no dia seguinte, andava a pedir sal na porta das casas.
Dona Izolina e tantas outras pessoas assentiam sem questionar e lhe cediam as xícaras de sal. Pedro Plínio agradecia e virando-se para o lado da rua ele ia embora sem dizer muita coisa.
O “Zé Bugre” era um exímio caçador e o Ataliba, que não ficava atrás, o acompanhava nas noites silenciosas de caçadas às margens da represa de Cárpoles, lá nos “cafundós” onde a mata era fechada e fazia um escuro danado, mas as caçadas normalmente eram realizadas em noites de lua clara.
Eles então caçavam capivara em uma noite quente de lua cheia. De repente, o “Zé Bugre” avistou o animal roedor de longe. Era uma das “bitelas” e o Ataliba clareou a lanterna. E então, o “Zé Bugre” abriu fogo. Mas nesse momento, um uivado de lobo muito forte tiniu os ouvidos dos amigos caçadores e aquele som ensurdecedor aproximou-se dos dois que se arredaram, gritando ainda mais forte.
A capivara havia morrido após o tiro, mas eles avistaram um enorme cachorro, ou lobo, peludo e de olhos vermelhos como fogo, que além de abocanhar a capivara morta, partiu pra cima dos dois homens.
Enquanto “Zé Bugre” teve uma das orelhas amputadas pela mordida do bicho, o Ataliba apanhou a sua cartucheira e “picou fogo” contra o enorme cachorro que uivava ainda mais estridente, soltando algum tipo de fumaça pelas narinas. O bicho cambaleou e deu umas quatro viravoltas. Eles ficaram extremamente assustados e aturdidos e correram até não poder mais.
Quando os dois amigos caçadores, chegaram de volta até o barco que se encontrava amarrado às margens da represa de Cárpoles, ouviram então ainda mais forte o uivo do enorme lobo ou cão peculiar, que mais parecia o “cavalo do satanás”. Aquela coisa rosnava ferozmente, cada vez mais próxima, vindo em direção ao barco dos caçadores. O grunhido aproximava-se, cada vez mais perto deles e quando novamente clarearam o farolete, eles avistaram aquele enorme cão peludo, correndo de quatro patas em direção ao bote. Seus olhos rubros como sangue, mais pareciam o semáforo do inferno em sinal vermelho. O animal vinha com tanta velocidade, ainda que machucado pelo tiro que havia tomado anteriormente, que parecia que iria atirar-se no barco e devorar os dois amigos em uma abocanhada só.
Foi quando então o “Zé Bugre”, mesmo com a orelha sangrando, preparou a potência: Era uma Caramuru Carabina calibre 22LR modelo K5, uma arma muito rara de coleção particular que o “Zé Bugre” havia adquirido do “Tio Ico”, um bom e velho caçador de Cárpoles, talvez o melhor de todos eles.
Ele então ajeitou a ferramenta, que disparou de forma certeira, por duas vezes e a fera de olhos vermelhos em brasa, parecendo o próprio diabo em forma de lobo, recuou e cambaleou alguns metros para trás.
Parecia que o demônio enfim estava morto.
Ao silenciar o confronto, o Ataliba clareou mais uma vez o farolim e a fera estava inerte. Talvez gélida e finalizada.
Eles comemoraram o abate do “belzebu” de quatro patas.
Os caçadores deixaram aquele lobo ou cão gigante, amarrado em um pé de Cabreúva às margens de represa de Cárpoles.
No dia seguinte às cinco e meia da manhã, ainda estava meio escuro, quase clareando o dia, e então o “Zé Bugre” e o Ataliba retornaram do outro lado das margens da represa para ver o animal amarrado e o que iriam fazer com aquilo.
A surpresa assustadora e horripilante, tomou conta dos amigos caçadores:
O Pedro Plínio estava amarrado na árvore com as vestes rasgadas e ensanguentadas. Ele ainda respirava com alguma dificuldade e os amigos caçadores, levando as mãos à boca quase tiveram um desmaio.
Eles não sabiam se gritavam ou chamavam a polícia, o hospital, o delegado ou o senhor prefeito. Foi quando Ataliba disse:
“Por favor Zé, ninguém vai acreditar na gente, melhor ficarmos quietos”.
E o “Zé Bugre” concordou.
Como Pedro Plínio ainda respirava, embora com alguma dificuldade, os amigos perceberam os sinais vitais e o levaram ao hospital de Cárpoles e após um certo período ele se recuperou, embora tivesse ficado com algumas sequelas.
Os dois amigos caçadores não tocaram mais no assunto e Pedro Plínio como sempre, não se lembrava de absolutamente nada.
Somente anos mais tarde, Ataliba e “Zé Bugre” contariam a história em alguns velórios por lá. Mas o tempo passou e a lenda continuava na Província. O homem de roupas rasgadas continuava voltando no clarear dos dias seguintes para pedir sal nas casas e ficava claro que Pedro Plínio era: “O LOBISOMEM DE CÁRPOLES”.
Pedro Plínio morreu, mas a lenda continua atormentando até hoje o local e as pessoas que vivem em Cárpoles, passam longe, muito longe da estradinha do sítio onde viveu o lobisomem da Província.
Por Danilo Seraphim