Ezequiel saiu de casa apressado. Deveria chegar na rua da pedreira, no outro extremo da cidade, antes das vinte e duas horas. O suor lhe brota na testa, apesar da brisa fresca. Seu contato confirmou a ordem pelo telefone. O chefe exigiu que o embrulho seja entregue antes das vinte e duas horas. Ezequiel sabe que o chefe não tolera atrasos, sabe que quem não cumpre as ordens deve pagar o preço. Portanto, pegou a caixa que estava no local indicado pelo contato e guardou cuidadosamente no bolso do casaco e seguiu as instruções. Não pode ir com seu carro pois vai levantar suspeitas, então subiu por dois quarteirões até chegar no ponto de taxi. Apenas um veículo está ali, estacionado na penumbra junto a algumas árvores. O motorista dorme profundamente sobre o banco reclinado do carro. Ezequiel precisou bater algumas vezes no vidro lateral para acordar o homem. Ele abriu então nervosamente a porta e sentou-se no banco de trás, restavam apenas alguns minutos para as vinte e duas horas. Indicou o endereço ao sonolento motorista e, jogando algumas notas sobre o banco da frente, prometeu uma boa gorjeta se chegassem logo no local. Ezequiel estava arrependido por aceitar esse trabalho, mas o chefe não aceitava qualquer recusa. Enquanto seus olhos percorriam as luzes da cidade que refletiam velozmente nas janelas do transporte comum, matutava no porquê de tanto mistério. Suas ordens são de não abrir, em hipótese nenhuma, o embrulho que carrega e de não revelar a ninguém sobre a entrega. Saiu de casa dizendo a esposa a verdade, teria que trabalhar. Ela já estava acostumada com suas saídas noturnas para “trabalhar”. Porém, Ezequiel não conseguia entender o motivo que levou seu chefe a lhe dar essa missão misteriosa. Já fizera alguns “serviços sujos”, como a vez em que foi a casa dele e, depois de entrar na garagem, colocaram um corpo embrulhado em lençóis ensanguentados no porta-malas do seu carro ordenando a desova em local distante. Ezequiel cumpriu as ordens sem perguntar quem era o infeliz e sabia que era melhor não saber. Desde então sente arrepios quando tem que executar alguma tarefa, porém o salário compensa, nunca em sua vida teve tanto dinheiro. Mas agora cada minuto que passa sente um peso no coração, o chefe não tolera atrasos. Finalmente o taxi dobrou a rua da pedreira e percorreu um curto caminho até parar. Um fraco brilho alaranjado incide sobre a rua. Ezequiel saltou do carro deixando mais algumas notas ao motorista que abriu um largo sorriso agradecido. São exatamente vinte e duas horas. O rapaz olha a sua volta, sente algumas gotas de suor escorrer pelas têmporas. Pega o lenço do bolso e passa na testa e ao guardá-lo sente o pequeno embrulho no bolso. Não há ninguém ali, a rua não possui casas, apenas o portão de entrada da enorme pedreira da cidade. Seu contato disse que estaria no local para receber o pacote. Após alguns segundos dramáticos, avistou um vulto saindo de trás uma árvore próxima. Ezequiel quase desmaiou de susto ao perceber quem era: o chefe. O homem está de chapéu e um sobretudo negro e ordenou que Ezequiel entregue o embrulho. O rapaz engoliu seco e entregou o pacote. Já estava dando meia volta quando o chefe lhe deu mais uma ordem: – Venha comigo. – O rapaz parou e, mesmo com receio, voltou e seguiu o chefe. Atravessaram o portão da pedreira e o chefe sacou uma lanterna. Caminharam por alguns metros pelo terreno escuro até chegar em um pequeno abrigo, um barraco que parece ser um pequeno depósito. – Entre. – Ordena novamente o chefe. O rapaz toma coragem e se manifesta pela primeira vez:
— O que estamos fazendo aqui?
— Você já vai saber. Responde o homem com a voz irritada sem olhar para o seu interlocutor.
Mesmo preocupado e trêmulo, Ezequiel obedeceu. Forçou o trinco e a porta abriu-se com um ranger sinistro. Tudo está escuro e um cheiro de mofo invade-lhe as narinas. De repente uma luz fraca ilumina o ambiente. A lâmpada de baixa voltagem balança pendurada sobre as pessoas que ali se encontram. Ezequiel leva um grande susto forçando-o a dar um passo para trás. Na sua frente está sua esposa, lhe encarando com um olhar furioso. Antes que possa dizer qualquer coisa o chefe lhe segura pelos braços e o força a sentar em uma velha cadeira. Ezequiel não exibe nenhuma reação, está paralisado pela surpresa. O chefe aponta uma arma para o assustado rapaz enquanto a própria esposa imobiliza suas mãos e pernas com uma pegajosa fita adesiva. Enquanto é atado na cadeira percebeu que alguém está em outra cadeira, amarrada também e amordaçada. Foi com assombro que percebeu quem é. A pobre mulher do chefe. Está irreconhecível, suja e com o rosto inchado, bastante machucada. A juventude e beleza que encantaram Ezequiel haviam desaparecido. O chefe aproximou-se do ouvido de Ezequiel e disse sorrindo:
— Você achou que eu nunca iria descobrir?
O homem impiedoso e com o ódio a lhe arder nos olhos pegou o embrulho misterioso e o abriu. Tirou de dentro do pacote uma pequena caixa de acrílico e em seu interior, duas aranhas “ Missulena Occatoria” agitam-se nervosamente. As duas vítima ao ver o terrível destino que os espera se debatem deseperadamente.
— Não são lindas? Diz o homem enquanto pega uma das aranhas com o auxílio de uma pinça. Então puxou a blusa da mulher e soltou o venenoso animal entre os seios. Com um olhar aterrorizado a pobre vítima começou a debater-se e, após alguns minutos pendeu a cabeça, desacordada e uma baba de espuma começou a escorrer do canto de sua boca. Ezequiel arregala os olhos e tenta forçar a fita que lhe prende com todas as forças que lhe restam. Seu esforço é inútil. Olha suplicante para sua esposa mas ela parece impassível. O chefe se aproxima e seu desespero chega a extremo. O chefe lhe abre as calças e deposita o animal peçonhento entre as pernas. Sente, apavorado, o bicho caminhando por baixo de sua roupa. De repente sente sua virilha começar a queimar e uma dor aguda, insuportável começa a se espalhar por todo seu corpo. O ar começa a faltar nos pulmões e com a visão turva vê sua, agora ex-mulher, saindo pela porta junto com seu ex-chefe que volta o olhar para ele sorri e apaga a luz e tudo ficou escuro.
Por Aldo Almeida