“Aquilo é um caixão?!” – Exclamou Dario, interrompendo a fala de Marisa enquanto
eles caminhavam pela estrada escura e abandonada. Já passava da meia-noite e, o jovem casal que vinha conversando sobre diversos assuntos ficaram em absoluto silêncio, paralisados enquanto observavam o caixão à beira da estrada. O cenário era realmente assustador; a estrada velha que cortava o matagal se estendia numa penumbra aterradora; a noite era fria e silenciosa, e graças ao forte vento podia-se ouvir os galhos e as folhas em movimento. O caixão que se encontrava à beira da estrada – lacrado – aterrorizou de vez a noite daquele casal… digo… a última noite daquele jovem casal. Marisa acelerou o passo, e Dario, tremendo de medo, parou para averiguar aquele macabro caixão.
– Vamos, Dario! O que você está fazendo aí?
– Espera! Quero ver se tem alguém dentro do caixão.
– De certo, há alguém aí dentro. Vamos embora!
– Só mais um minuto. Olha só como ele está sujo de terra; tem vermes por toda parte, e mesmo com pouca claridade dá pra notar que é um caixão velho e mofado.
Isto veio do cemitério.
– Estou com medo. Podemos ir agora?
– Podemos. Mas será possível que o coveiro Tavares deixou o caixão cair do carro funerário? O velhote vive dirigindo aquela banheira embriagado. Eu não duvido nada.
– E quem é esse velho Tavares?
– Quando você vir morar comigo e conhecer o pessoal da vila, pode ter certeza que vai ouvir muitas histórias desse coveiro.
– Bom, se esse tal Tavares é capaz de perder um caixão, eu já fico imaginando as outras histórias.
Enquanto a conversa fluía, Marisa se acalmava; ela quase não sentia mais medo daquele objeto fúnebre que estava bem diante dos teus pés. Mas essa calma não durou muito tempo e o pavor tomou posse de seu corpo que tremia incessantemente, tudo isso porque Dario teve a brilhante ideia de chutar o caixão, fazendo com que seu pé penetrasse dentro da madeira podre, deixando um buraco suficientemente grande para que um enorme rato negro e cabeçudo saísse de lá emitindo sons como se fosse um monstro do inferno. A criatura zarpou para o matagal e um cheiro terrível começou a exalar do rombo que ficou no caixão. Dario e Marisa decidiram sair daquele lugar o mais depressa possível, mas as coisas só pioraram. Os olhos do casal jamais se arregalaram tanto como naquele momento; uma forte dor no peito e uma dificuldade para respirar atingiu Dario enquanto ele observava o caixão se movimentando sozinho, como se alguém tentasse sair lá de dentro. A partir daquele momento, Dario teve a certeza de que tinha alguém vivo ali, e deixando o medo de lado, se aproximou para abrir de vez aquele caixão. Marisa ficou de longe observando Dario quebrar a tampa com os próprios pés. Enfim, puderam ver o cadáver que se encontrava ali dentro, totalmente podre e emanando cada vez mais aquele forte cheiro. Sem entender muito bem tudo aquilo que estava acontecendo, Marisa se aproximou com um lençol que ela tirou de dentro da bolsa.
O lençol que seria usado para cobrir seu corpo na sua primeira noite na casa de Dario, agora cobria o defunto que estava no caixão. “Pelo menos se o nosso namoro durar vamos ter uma ótima história pra contar no futuro” – Dario pronunciou essas palavras com o objetivo de acalmar Marisa, e logo em seguida ele tomou o maior susto enquanto Marisa gritava apavorada apontando o dedo na direção do matagal; graças a iluminação da Lua eles avistaram um outro caixão flutuando no ar, rente as árvores, não muito longe da estrada onde eles estavam. Quando eles voltaram a atenção para o cadáver que estava no caixão, notaram que aquele ser agora estava sentado, ainda coberto pelo lençol, respirando forte pela boca e fazendo com que o pano branco se movesse lentamente enquanto o defunto soltava o ar. Em seguida, o ser cadavérico começou a dizer essas estranhas palavras: “Dois velórios! Dois velórios!” – e conforme ele repetia, sua voz ficava cada vez mais “rasgada”, emitindo agora sons parecidos com o de um porco no abate, e ele continuava: “Dois velórios! Dois velórios! Dois velórios!”, em sincronia com sua risada maléfica. O defunto se levantou e o lençol deslizou lentamente até o chão, deixando à mostra aquela face sorridente e medonha; era o próprio rosto de Satanás na forma de um cadáver.
Dario e Marisa jamais imaginaram que poderiam correr tão rápido como naquela noite. Assim que eles fizeram a curva, ficando cada vez mais longe do local onde o caixão estava, Dario deu uma ligeira olhada para trás e pôde ver o ser flutuante vindo em sua direção; o defunto seguia o casal, levitando à um metro de distância do chão, com os braços na mesma posição que fora enterrado, gargalhando e repetindo aquelas estranhas palavras.
Ao olhar de volta para a estrada, Dario enxergou o outro caixão flutuante que eles tinham visto momentos atrás, vindo também em sua direção em alta velocidade – o casal agora estava encurralado! O caixão se espatifou na frente de Marisa, colidindo com o velho asfalto e se quebrando em pedaços, disseminando madeira, terra e alguns pedaços de carne para todo lado. Dos destroços saíram grandes ratos negros cabeçudos, com olhos ardendo em chamas, todos partindo para cima de Marisa, arrancando pedaços de todo o seu corpo em questão de segundos – como piranhas devorando a sua presa – deixando os poucos restos da moça esparramados pela estrada. Ao ver aquela terrível cena, Dario correu de volta para o lugar de onde veio, preferindo enfrentar o defunto flutuante ao invés daqueles malditos ratos sedentos por carne.
O defunto agarrou Dario pelas costas o suspendendo, tirando os seus pés do chão; e lá estava ele flutuando no ar, carregado por um cadáver que não parava de dar aquela maldita gargalhada maléfica. Dario foi arremessado para dentro do caixão, e de alguma forma, seu corpo todo ficou paralisado. Agora sem movimento, o jovem só pôde ficar observando o defunto tentando entrar ali dentro, mesmo sabendo que o caixão foi feito para uma única pessoa. O defunto ficava mais agressivo a cada tentativa frustrada de tentar entrar dentro do caixão em que Dario estava. Desesperado, Dario começou a gargalhar feito louco, zombando do defunto, mas aquele estado eufórico não durou muito e os risos de Dario se tornaram gritos; seu corpo estava sendo desmembrado pelo defunto; o jovem estava sendo comido vivo, perdendo muito sangue e perdendo vários pedaços do seu corpo.
Dario queria morrer o mais depressa possível, e não podia, pois aquele caixão o mantinha vivo mesmo depois de perder grande parte do corpo pelas dentadas do defunto. Agora com um pouco mais de espaço dentro do caixão, depois de retirar boa parte do corpo de Dario lá de dentro, o defunto finalmente conseguiu entrar, se juntando ao que restou do corpo do jovem. O caixão começou a levitar, conduzindo os restos de Dario e o defunto para bem longe do solo, com o jovem agonizando de dor, impossibilitado de morrer, apenas observando o defunto saborear o que restou do seu pobre corpo.
O destino do caixão flutuante era óbvio: o cemitério daquela maldita vila. Enquanto o caixão vagava em meio às árvores do matagal, o defunto ia se livrando cada vez mais do corpo de Dario, ficando apenas com a cabeça do jovem e atirando todo o resto do seu corpo para fora do caixão. Dario só conseguia focar na terrível dor de ter o corpo separado de sua cabeça e ainda continuar vivo; a dor era insuportável e ele gritava implorando pela morte. Ao se aproximar do cemitério, a cabeça de Dario foi erguida para que ele pudesse ver o que acontecia naquele local, ficando perplexo com a quantidade de caixões flutuando no interior do cemitério; alguns caixões saíam apressados de lá, indo em direção à velha estrada em busca de mais vítimas.
Assim que o caixão de Dario pousou dentro do cemitério, o defunto saiu carregando sua cabeça, caminhando entre os túmulos e deixando que o jovem pudesse ver e ouvir os gritos de desespero; Dario não era o único a estar naquele estado, ao seu redor, diversas pessoas desmembradas eram carregadas por defuntos. Era inacreditável a quantidade de caixões flutuando, a quantidade de defuntos gargalhando maleficamente, e a quantidade de pessoas sofrendo de dor por terem seus corpos destroçados. Caixões subiam para o céu enquanto outros chegavam carregando restos de mais pessoas – uma sinistra coleta fúnebre. No centro do cemitério uma enorme cova estava sendo aberta, e ao redor, os defuntos repetiam as palavras ‘Dois Velórios!’, enquanto as cabeças, incluindo a de Dario, eram arremessadas para dentro daquela cova gigante e profunda. Nada se via ali dentro, era escuridão total, e naquele momento, em meio a tantos gritos de desespero, Dario entendeu de vez que passaria a eternidade naquele buraco, dividindo o sofrimento eterno com aquelas pobres pessoas.