Nybbas, o Demônio Palhaço Macabro

por Mundo Sombrio
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Eu tinha aproximadamente doze anos quando ouvi pela primeira vez os relatos do senhor Armando que trabalhava na estação do trem em Caveiras, ao Norte do Estado do Paraná.

Era um senhor idoso, de expressão cansada e que relatava com espanto, com o cigarro caindo no canto da boca, emoção e avidez os acontecimentos da “cidade sombria”, desde quando era chamada de Província de Caveiras.

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Porém, os fatos que adiante narrarei, não foram relatos a mim pelo senhor Armando e nem mesmo por qualquer outro cidadão de Caveiras. E até hoje eles retornam para me assombrar e me fazer acordar algumas vezes na madrugada.

Quando éramos crianças, ali mesmo na Cidade de Caveiras, em uma daquelas partidas de futebol que disputávamos lá no campinho, conheci Átila Sanctus.

Era um rapaz desengonçado e tinha uma risada estranha.

Ele não era do nosso círculo de amizades, porque parecia um rapaz bem mais velho, mas a gente sabia que os amigos da sala onde ele estudava, simplesmente, ignoravam sua presença e quase ninguém dava muita importância a ele e o viam como motivo de chacota e zombaria. Todos tiravam sarro quando ele ria.

Naquele dia, após pararmos o jogo, a primeira partida, eu e Nafir, meu amigo de infância, perguntamos se ele queria entrar no jogo, na próxima partida.

Átila, incialmente não respondeu absolutamente nada, mas após um tempo, ele olhou pra gente, após insistirmos e balançou positivamente a cabeça.

Ele entrou no jogo e seu jeito duro e desengonçado de correr chamou a atenção e alguns meninos que lá estavam riram e debocharam dele.

Sinceramente, eu e o Nafir não víamos graça em ficar tirando sarro e tentamos incentivar Átila a jogar, embora de fato, ele não tivesse jeito para futebol e nem mesmo coordenação.

Em um único lance, Fabiano que era um dos craques do time, deu um drible em Átila e ele, sentindo-se humilhado, deu um empurrão em Fabiano que parecia algo sobrenatural, quando nosso amigo voou pelos ares.

O jogo parou e Átila foi embora, sem dizer nada, apenas olhando fixamente para mim e Nafir ao deixar o campinho.

O padre Charles era o reverendo responsável pela paróquia de Caveiras já havia alguns anos e a gente notava que todas as quintas-feiras ele saia da casa da mãe de Átila (já que ele não tinha pai), algumas vezes tarde da noite.

Ninguém jamais ousou perguntar, ainda que fosse para os pais, o que o padre fazia na casa da mãe de Átila todas as semanas.

Mas aquele menino, que, na verdade já era um moço, um pouco mais velho que nós adolescentes, estava cada dia mais estranho.

Átila Sanctus era alto e magro, tinha um olhar expressivamente assustador e os dentes da frente todos comprometidos, e quando abria a boca (eram raras as vezes), exibia placas bacterianas e um amarelado que parecia marrom.

Ele era de fato um cara estranho, embora fosse um bom aluno na escola. Era inteligente e lia demais, aliás, quando chegava em casa, após as aulas, ele se trancava no quarto e, não raras vezes, amanhecia lendo.

Era um tipo de leitura estranha, gótica e regada a muita simbologia.

Sociedades secretas, seitas satânicas, ocultismos e algumas orientações sobrenaturais foram algumas das leituras encontradas em seu quarto à época dos acontecimentos.

Átila sofria e se isolava cada vez mais.

Muitos diziam que por crescer sem a assistência de um pai e viver sozinho com sua mãe doente, aquele moço teria perdido o sentido da sua vida, mas muitos refutavam essa ideia. A mãe de Átila dizia que seu pai não poderia jamais ser revelado e que era para Átila desistir da ideia que tinha de um dia procurá-lo porque ele já estaria morto.

Ele às vezes insistia com a mãe para saber sua origem paterna, quem era seu pai, já que todos tinham um pai, que estava presente nas datas importantes, na escola, enfim, na vida. Mas sua mãe se revoltava e prometia que, acaso ele continuasse com essa ideia, ela partiria sem avisar para não mais voltar.

Um dia, eu e Nafir, ousamos ir até a casa dele para tentar ajudá-lo de alguma forma; mas quando chegamos em frente a casa, chamamos por ele, umas duas ou três vezes e não obtivemos resposta. Então, entramos em seu quarto, que ficava afastado, aos fundos, vimos umas velas acesas, um banco preto e as luzes apagadas com a cortina fechada, ao lado estava ele deitado em uma pequena cama, coberto até a cabeça com um pano preto, embora fizesse um calor desgraçado naquele dia. Chamamos por ele ali mesmo no quarto, mas não nos respondeu.

Deixamos o lugar com muito medo e resolvemos que seria melhor não procurarmos mais por Átila, ainda que fosse para ajudá-lo, pois ele, de fato, estava muito estranho e poderia não gostar da nossa presença.

Algum tempo se passou e agora já era inverno e fazia um frio intenso naquele ano.

Acordei cedo naquele dia de sábado para domingo e fui até a casa de Nafir para realizarmos todos os preparativos do jogo tratado que teríamos contra o pessoal da rua de baixo.

Mas logo, um carro de polícia e um furgão da funerária passaram em alta velocidade em frente das nossas casas.

Naquele dia, ficamos sabendo que ali seguia o corpo de Átila Sanctus que havia sido encontrado morto na encruzilhada do monge, naquela madrugada.

Não havia sinais de violência em seu corpo, nem sinal de ferimentos, manchas de sangue, perfurações, nada disso.

Ninguém também soube dizer o que, de fato, teria acontecido com o estranho jovem que morrera sem explicações.

Seguimos a nossa vida e claro, os compromissos e a correria do dia a dia, às vezes não permite que fiquemos recordando todo nosso passado, porém não tem força de apagar algumas marcas da infância e todas as vezes em que eu ia ao cemitério municipal de Caveiras, eu passava pelo estranho túmulo preto de Átila Sanctus.

Mais de vinte anos se passaram e a tradicional festa da paróquia de Caveiras estava animada naquela noite de sexta-feira, dia 13 de julho de 2.001.

Eduardo Viana, conhecido fazendeiro da região que herdara a fazenda São Francisco, o Doutor Jorge Kalil, médico conceituado em Caveiras e Ademir Carvalho, empresário dono de todos os loteamentos na Cidade que cobrava juros extorsivos e exorbitantes dos moradores de Caveiras, eram os que mais arrematavam os bens do leilão da festa paroquiana.

Muito mais preocupados com a imagem de ricos e poderosos que “colaboravam com a paróquia”, do que propriamente com a filantropia, eles se reuniam à mesa com outros tantos homens importantes de Caveiras e centenas de latas de cervejas forravam as mesas na ocasião.

Às dezenove horas daquela sexta-feira, o menino Diogo chegara até as mesas onde todos estavam reunidos no embalo da festança e cansado, pálido, sem voz e sem ação, gritando muito apenas, ele dizia em voz embargada, trêmula e gaguejante:

“O, o, o, o, o, palhaço! O palhaço! O palhaço!”

Ninguém entendera absolutamente nada e o menino estava em estado de choque.

O doutor Jorge Kalil o atendeu e medicou, e o garoto voltando aos poucos ao estado de normalidade disse, um pouco mais calmo:

“O Eduardinho desapareceu”.

Seu amigo “Eduardinho” era o filho do fazendeiro Eduardo Viana e nesse instante, ele e sua esposa entraram em completo desespero.

A festa acabou no mesmo instante e todos procuravam pelo menino, filho do poderoso fazendeiro.

E, apenas na manhã do dia seguinte, na encruzilhada do monge o menino foi encontrado.

Seu semblante era normal, embora mostrasse uma certa palidez, no entanto não havia sinais de violência em seu corpo e parecia apenas que ele estava dormindo.

Foi uma tristeza sem fim e na segunda-feira, às onze horas da manhã, Eduardo Viana Filho, o “Eduardinho” fora sepultado no cemitério municipal de Caveiras.

Ao chegar em sua casa, Diogo havia dito aos seus pais que apenas avistou a imagem de um palhaço sinistro que possuía cabelos avermelhados e esbranquiçados ao mesmo tempo, dentes pontiagudos, afiados e escuros, que mais pareciam presas caninas, sorrindo e arrastando o pobre “Eduardinho” para longe. Ele tentava fugir e se desvencilhar do “arlequim do diabo”, dando gritos horrendos de desespero, mas foi em vão. Em segundos eles desapareceram.

A gincana do Colégio Bom Jesus, era um dos maiores atrativos de Caveiras e naquele mesmo ano de 2.001, enquanto acontecia uma prova do chamado “cabo de guerra” entre duas classes diferentes, o Rodrigo Kalil, filho do Doutor Jorge Kalil, resolveu ir ao banheiro e houve uma queda de energia naquele momento, quando ele já estava dentro do sanitário masculino.

Juliano Salino, que estudava na mesma sala que o filho do conceituado médico, reproduziria depois, o mesmo testemunho de Diogo, quando “Eduardinho” desapareceu.

O palhaço de bocas enormes, cabelos avermelhados e esbranquiçados, vestindo um casaco preto de golas brancas e desbotado, ressurgira no banheiro da escola e após abrir a boca e exibir as “agulhas” afiadas que saltavam sobre os lábios, abocanhou fortemente um dos braços do menino Rodrigo Kalil e em seguida desapareceu, deixando fumaças.

Mas de forma estranha e coincidente, o corpo do menino surgira no dia seguinte na mesma encruzilhada do monge sem qualquer arranhão.

O colega de sala de Rodrigo Kalil, Juliano Salino, que de fato havia presenciado esse acontecimento, esteve por três dias internado na Santa Casa de Caveiras e apenas soluçava sem conseguir explicar o fenômeno.

Somente no quarto dia, à tarde, ele conseguira relatar o que teria acontecido e nunca mais suportou que se dissesse a palavra “palhaço” próximo a ele. O trauma foi tanto que dizem, que até os dias de hoje Juliano jamais voltara a um espetáculo de circo e quando vê a imagem de um palhaço, sente calafrios.

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A história do tal palhaço assassino percorria vozes em Caveiras. Tolices de crianças? Algum fundo de verdade?

A polícia, alguns destemidos homens da comunidade e até mesmo religiosos, estavam dispostos a procurar o suposto assassino e desvendar o mistério.

Porém, mais três meses se passaram e nada fora encontrado.

Por fim, no clube de Campo “Vales dos Encantos”, uma das poucas atrações de Caveiras, a menina Julia Carvalho, a única filha de Ademir Carvalho, após sair da piscina para o banheiro feminino desapareceu instantaneamente.

No caso da menina, não havia ninguém no local naquela hora, e, portanto, ninguém podia testemunhar o que teria acontecido, se aquilo fora ou não obra do tal palhaço macabro, de cabelos avermelhados e dentes assustadores.

Nem mesmo seu corpo, a exemplo dos outros dois meninos, fora encontrado na estrada do monge.

Estranhamente, os três filhos, dos três homens mais poderosos da Cidade estavam mortos agora e aquele desfecho trágico e inexplicável abalou profundamente os moradores de Caveiras.

Após, exatos três anos desses trágicos acontecimentos, o padre Charles estava celebrando mais uma missa na paróquia local.

Eduardo Viana, Doutor Jorge Kalil e Ademir Carvalho, os três homens mais poderosos da pequena Cidade de Caveiras, desolados desde então, pelas trágicas perdas de seus queridos filhos, sentavam-se no primeiro banco da igreja com suas esposas.

Um barulho estranho e horripilante tomou conta do local e uma fumaça vermelha se espalhou pela igreja.

De repente, um homem de barba azul e olhos esbugalhados apareceu, vestindo uma capa preta e com um chapéu do tipo cartola, abriu um sorriso sinistro e interrompendo a celebração ele disse:

“Eduardo, Jorge Kalil e Ademir, quem bate esquece, mas quem apanha jamais”!

Disse isso e, soltando uma risada sinistra, (a mesma que Átila Sanctus emitia quando éramos crianças), transformou-se imediatamente no palhaço de cabelos vermelhos e esbranquiçados e dentes pontiagudos e com uma baba saliente que escorria pelo queixo.

Revelando-se a todos e confirmando os dizeres das crianças que o avistaram naquelas ocasiões, ele continuou a bradar com voz aguda e tenebrosa:

“Vocês, três meninos à época e agora três homens maus, esperaram meu filho Átila Sanctus sair da escola e o conduziram até a encruzilhada do monge, onde após rasgarem suas vestes vocês proferiram os mais diversos vitupérios contra ele de forma humilhante e vergonhosa; riram e debocharam dele e então, vocês realizaram seus intentos ocultos, de matá-lo. Mas, para que ninguém percebesse, vocês arrancaram sua camiseta e o asfixiaram até a morte, deixando agonizar em frente a encruzilhada do monge, até o fim. Vocês se tornaram os três homens mais ricos e poderosos deste lugar, enganando pessoas, mentindo e roubando dos mais pobres. A ganância, a soberba e a sede de poder, nunca saíram de vocês, porque vocês são assim e sempre foram. A prova maior, foi a morte estúpida do meu filho Átila. Mas o acerto de contas chegou. A vingança está consumada, seus três filhos morreram da mesma forma, sem deixar rastos e vestígios. Querem revê-los? Encontre-os no inferno. Eu sou “NYBBAS”, o verdadeiro pai de Átila Sanctus, o demônio palhaço e charlatão e zombador. Aquele que está na sua Bíblia padre Charles, no segundo livro dos reis, capitulo 17, versículo 31. Aquele que queimou e consumiu com seus filhos no fogo de Adrameleque. O verdadeiro e único pai de Átila Sanctus, que de santo nada tinha”.

Muitas pessoas fizeram o sinal da cruz, outras tantas desmaiaram e os três homens desapareceram sem jamais serem encontrados.

Até os dias de hoje, os moradores de Caveiras, têm muita dificuldade e relutam em contar a horripilante história de “Nybbas”, o demônio palhaço macabro.

História de Danilo Seraphim.

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