Sempre tive que lidar com situações desafiadoras, pois sou o caçula de cinco irmãos. Era bem complicado viver com eles; eles gostavam de fazer eu me sentir péssimo. Eu era magro e fraco, então todo dia eu apanhava e era a “estrela” de suas brincadeiras.
Quando eu tinha seis anos, meus irmãos me trancaram no quarto a noite e desligaram a energia da casa. Meus pais não estavam em casa, estavam no velório de um conhecido da família e meus irmãos aproveitaram a oportunidade para me humilhar. Queriam ver quanto tempo eu conseguia ficar no escuro sem chorar. Eu achei que tinha ficado por volta de duas horas, mas foram apenas cinco minutos. Vivi um pesadelo nesse curto espaço de tempo. Comecei a imaginar fantasmas, monstros e outras coisas que me assustavam, então desmaiei.
Acordei porque meus irmãos se assustaram com o barulho da queda. Quando meus pais chegaram, ficaram irritados com o que meus irmãos fizeram. Meu pai me disse que sempre que eu estivesse numa situação de estresse, eu deveria contar até dez. Eu fiquei apavorado e acabei crescendo com medo dos meus irmãos e principalmente, com medo do escuro. Mas sempre segui o conselho do meu pai.
Quando meu irmão mais velho morreu, me senti muito mal. Ele dizia que quando alguém morre, vai pra um lugar escuro, onde o morto não vê e não ouve nada. É um vazio eterno e solitário. Não consegui parar de pensar no meu irmão perdido nesse vazio enquanto toda a família estava viva. Um à um, meus irmãos morreram pelo mesmo motivo; ataque cardíaco. E apesar de terem sido péssimos irmãos, todos fizeram uma boa ação. Eles eram doadores de órgãos.
Eu nunca tive coragem de doar meus órgãos. Uma bobagem.
Depois de perder meus irmãos por problemas cardíacos, eu recebi a notícia de que eu também sofria desse mal.
Me cuidei, mudei a alimentação, parei de beber, de fumar e enquanto praticava pilates sofri um infarto. Enquanto sentia meu coração queimar, tentei contar até dez. Mas não adiantou, apaguei e tudo ficou escuro. Pude ouvir pessoas dizendo o que tinha acontecido.
Tempo depois, ouvi o choro da minha esposa. Meu irmão estava certo. A morte é um vazio eterno, mas eu podia ouvir as pessoas que eu amava lamentando minha morte. Consegui até sentir o cheiro de um perfume bem agradável, mas que havia um certo tempo que não sentia mais. Desde a morte do meu irmão do meio, pra ser mais preciso. Depois de sentir a fragrância, meu nariz coçou e não senti mais nada. Tudo estava escuro.
Enquanto contemplava a eternidade na escuridão, ouvi um barulho próximo à minha cabeça. E esse som se repetiu algumas vezes. Pude identificar a pá raspando a terra, e esta cobrir meu caixão.
Meu irmão estava errado. Eu ainda não estava morto. De tudo que eu poderia ter herdado do meu bisavô, herdei a catalepsia. Entrei em desespero.
Gritei o mais alto que pude, mas meus lábios estavam colados.
Mas os ensinamentos são eternos e lembrei do que meu pai disse quando a escuridão me confrontou pela primeira vez. Era hora de contar até dez.
1, 2, 3, 4, 5, 6…
ESCRITO POR: Régis Di Soller