Bill era jornalista de uma pequena cidade, estava acostumado a cobrir coisas cotidianas de cidades pequenas. Sumiços de animais de estimação, torneio leiteiro, desfiles festivos, nada de grande expressão. Mas isto estava prestes a mudar.
O xerife Ted recebeu um telefonema, um fazendeiro havia encontrado restos mortais a beira da velha estrada, que um dia havia sido a estrada principal da cidade, mas com a construção da nova, acabou virando uma estrada pra uso quase que exclusivo dos fazendeiros. Ted chamou Bill pra acompanhá-lo, como fazia na maioria das ocorrências que achava importante.
Chegando no local, encontraram Tommy, o fazendeiro que chamou o xerife. Havia pedaços de corpo espalhado por todo acostamento, parecia pedaços de carne em uma bancada de açougue. As moscas faziam um banquete.
O corpo só podia ter sido atacado nesta madrugada, se não os coiotes já teriam carregado. O xerife deu uma olhada por cima.
— Foram os lobos.
— Ted, quero dizer, xerife. Há muitos anos não temos ataques de lobos por aqui, nem no gado.
— Você tem alguma sugestão Bill?
— Não xerife, só achei estranho. E você Tommy, o que acha?
— Antes de vocês chegarem, dei uma andada ao redor e o que vi foi estranho.
— O que viu?
— Vamos embora Bill.
— Só um minuto Ted — Tommy prosseguiu.
— Me acompanhem. Olha o tamanho desta pegada, e não são várias pegadas, é a pegada de apenas um animal, e lobo não ataca sozinho, e mais uma coisa, este animal andava apoiado em duas pernas.
Bill foi anotando tudo e aproveitou pra tirar bastante fotos do lugar. Ele usava uma velha Minolta Maxxum 7000 de 1985.
O xerife pediu pra que Tommy ficasse no lugar até que viessem retirar o corpo.
Quando estavam voltando, o xerife pediu pra que Bill publicasse no jornal que a causa da morte havia sido por ataque de lobos. Na cidade Bill foi direto pro seu estúdio de revelação, ele queria dar uma olhada nas fotos antes de rodar a matéria pro jornal. Revelou as fotos, e deixou no processo de secagem, só as veria no outro dia. Já era tarde, resolveu tomar um whisky no bar do Pitty, onde ouviria um bom rock and roll e tomaria umas doses de um Royal Salut trinta e cinco anos.
O bar estava cheio, Bill foi pro seu canto predileto do balcão.
— Fala Bill, o de sempre?
—Isso Karen, por favor.
A bela garçonete lhe trouxe o whisky.
Bill era um cara solitário, sem família, tinha terminado o namoro com Kristine há pouco mais de um ano, um namoro de dez anos. Kristine era uma bela mulher, não foi feita pra ficar em uma cidade pequena, foi embora a algum tempo, depois se casou e ele nunca mais a viu.
Já era o terceiro whisy de Bill, estava pronto pra ir embora.
— Posso me sentar aqui Bill?
Ele conhecia aquela voz, e como conhecia, era Kristine.
— Sente-se, já estou de saída.
— Por favor Bill, fique.
Ele pegou o dinheiro, colocou em cima do balcão, virou as costas e foi embora. Ele não conseguia perdoá-la.
Antes de ir pra casa, resolveu passar no estúdio e dar uma olhada nas fotos, estava muito ansioso, não conseguiria dormir sem dar uma olhada, e agora Kristine aparecendo para bagunçar seus pensamentos.
Começou olhar as fotos uma por uma, pegou uma lupa que tinha ganho de Kristine. Não podia deixar passar nada, tinha alguma coisa acontecendo ali, e ele tinha que descobrir, o xerife não ficaria contente com sua desobediência.
Olhou as fotos várias vezes, e nada lhe chamou atenção.
Precisava escrever o artigo pro jornal, colocaria que os lobos foram causadores daquela morte. Quem era a pessoa morta? Mais cedo ou mais tarde alguém sentiria sua falta.
Alguém bate na porta, quatro da manhã. Aquele dia ainda estava longe de acabar.
— Olá Bill.
— O que você está fazendo aqui Kristine?
— Preciso falar com você.
— Não temos mais nada pra falar. Seu marido sabe que está aqui?
— Ele que achou melhor eu te procurar. E não estamos mais casados.
— Fale logo então.
— Não vai me convidar pra entrar? Está frio aqui.
Pensou um pouco, ele não tinha esquecido o que ela fez, mas o fato de ter se separado mexeu com ele.
— Me desculpe, entra. Estava trabalhando.
— Alguma coisa séria aconteceu?
— A hora que a matéria sair, você ficará sabendo. E não veio até aqui pra falar do meu trabalho.
— Ainda não me perdoou. Vou tentar ir direto ao assunto, me arrume um pouco de whisky.
Ele foi em um armário e pegou a garrafa de Royal Salut que tinha, foi até geladeira, pegou três pedras de gelo e as colocou no copo.
— Toma com três pedras ainda?
— Sim.
— O que te traz aqui?
— Vim resolver uns papéis da venda da casa do meu pai.
— Sinto muito pelo que aconteceu com ele.
O pai de Kristine havia morrido de infarto sozinho em casa, só perceberam sua morte cinco dias depois. Um vizinho sentiu um cheiro forte, cheiro de morte, e chamou o xerife. O xerife por sua vez, chamou Bill para acompanhá-lo, na época. Bill citou um trecho da canção predileta de Bob no artigo que vez sobre sua morte. O trecho desta música do Deep Purple que falava assim:
"Parece o fim
Quando você está mais perto de perder seus sonhos
Do que perder um amigo voando cego.
Estou atirando no escuro. Quem eu encontrei?
Oh, garota
E isso me tornar uma vida inteira,
Eu juro que destruirei todas as paredes
O amor conquista tudo"
— Bob foi mais um que você abandonou nesta cidade.
Os olhos de Kristine se encheram de lágrimas, ela pegou seu copo com whisky e virou em apenas um gole.
— Me desculpe Kristine, não tive a intenção de deixar você triste.
— Você tem razão. Fui atrás da minha felicidade, sem saber que já era feliz. Me vê mais um whisky, por favor.
Bill encheu seu copo novamente, e aqueles gelos voltaram a flutuar, como icebergs em um copo de whisky.
O dia já estava raiando. O telefone de Bill toca, era o xerife chamando-o para averiguar o que parecia ser outro corpo encontrado.
— Kristine, preciso sair um pouco, não devo demorar muito.
— Preciso ir para o hotel Bill.
— Não, você não está em condição de dirigir, tenho uma cama no estúdio, você deita lá e me espera.
Ela acenou com a cabeça que sim. Ele a levou até o estúdio, pôs ela na cama e a cobriu. Ficou a olhando por um breve momento, era uma linda mulher, e ele ainda a amava. Mas via sinal de preocupação em seu rosto.
Cinco e quarenta da manhã, se encontrou com o xerife atrás de um posto de gasolina desativado, que ficava no centro antigo da cidade. Lugar hoje frequentado por usuários de drogas. Um destes rapazes o chamou, ligou pra ele de um telefone público.
— Bom dia Bill.
— Bom dia xerife.
— Você dormiu Bill? Está com uma cara de ressaca.
— Fiquei trabalhando, revelando as fotos.
— Por que não usa uma câmera digital igual a todos?
— Porque elas não enxergam como as câmeras antigas
— Me acompanhe.
O xerife o levou até onde o corpo estava, partes do corpo. Havia partes do corpo por toda parte, como se um grande liquidificador tivesse sido usado.
— Os lobos estão chegando mais perto.
— Você acredita mesmo que são lobos, Ted?
— O que mais poderia ser?
— Não sei, mas já vi ataques de lobos, eles fazem uma bagunça, fezes, urina, cadê isso aqui?
— Não sei Bill, a única coisa que sei é que nossa cidade não precisa de histórias fantasiosas. Tire suas fotos.
— Teve alguma novidade do outro corpo?
— Pelos restos das roupas e testemunhas que viram um andarilho, tudo indica que seja ele.
O telefone do xerife tocou, ele conversou por algum tempo, parecia que as coisas só pioravam. Bill aproveitou este tempo para tirar muitas fotos. Uma coisa lhe chamou atenção, um jovem estava deitado na parte de dentro do que já foi uma loja de conveniência. Bill se aproximou.
— Olá amigo, tudo bem?
Ele não respondeu nada, estava em choque. Bill não sabia se era efeito da droga, ou ele tinha visto alguma coisa.
— Está com fome amigo?
Ele fez com a cabeça que sim. Bill enfiou a mão no bolso e pegou uma barra de chocolate Suflair, o seu predileto.
— Toma, é seu.
Na hora que ele foi pegar, Bill puxou o chocolate.
— Qual o seu nome?
— Tim.
— Tim, você viu alguma coisa?
Assim que fez a pergunta, Tim cobriu a cabeça como se estivesse com medo.
— Bill, vamos. O pessoal já chegou pra retirar o corpo.
— Tim, tome seu chocolate, mais tarde vou te trazer um trago e alguma coisa pra comer.
Mas Tim continuou com a cabeça coberta, como se estivesse escondendo de algo. Bill colocou o chocolate no chão ao lado da coberta.
— Vamos Bill, depois você conversa com seu novo amigo.
— Pra onde xerife?
— No caminho te falo.
Saíram daquele lugar e foram em direção a represa, uns três quilômetros de onde estavam.
— Mais um corpo xerife?
— Não, mas pode ser a resposta pra pergunta de hoje.
— Não entendi.
— Mas vai entender.
Pararam o carro onde fica o portão que tranca o acesso a represa. Sully o assistente do xerife os esperava.
— Xerife, Bill.
— Olá Sully, como estão as crianças?
— Bem, obrigado pelos gibis antigos que mandou pra eles Bill.
— De nada.
— Me mostre Sully.
— Por aqui xerife. Estava fazendo uma ronda perto da represa, quando vi alguma coisa brilhar no meio das árvores, vim dar uma olhada, e aí está.
— É a caminhonete do Smith.
— Isso mesmo Bill, Sully me ligou avisando quando estávamos vendo o corpo.
— Mas cadê ele? Cadê a porta da caminhonete?
— A porta da caminhonete está dentro do lago, e Smith sumiu. Achei alguns pertences dele espalhados na estrada que vai em direção ao centro da cidade antiga. Parece que estava fugindo de alguma coisa.
— Como a porta foi parar lá Sully?
— Alguma coisa arrancou e jogou lá Bill.
— Vocês dois estão loucos. Tudo o que eu não preciso é de uma cidade em pânico em ano de eleição. Algum baderneiro viu o carro parado sem ninguém, arrancou a porta e jogou na represa.
Mas a porta não havia sido arrancada, havia sido rasgada, e o xerife sabia disso.
— Será que o corpo no velho posto é o Smith?
— Com certeza Bill. Tire suas fotos e vamos embora. Não quero uma palavra disso na cidade, enrole no jornal, mas não publique nada.
Bill voltou pro seu estúdio, precisava ver Kristine. Se é que ela estava lá.
Pra sua surpresa ainda estava.
— Desculpe estar por aqui ainda Bill.
— Ainda bem que está, estava preocupado com você.
Ela estava linda, cabelos molhados, tinha acabado de sair do banho, uma camiseta branca sem sutiã, que marcava seus contornos perfeitos, calça jeans apertada, ela era linda.
— Fiz uma coisa pra comermos.
— Estou sem fome, mas te faço companhia.
Comeram juntos, como nos velhos tempos, tomaram uma Heineken bem gelada juntos, e deram risadas. Mas de repente a expressão de Kristine mudou.
— Coloquei uma foto sobre sua mesa no estúdio. Mas só quero que olhe depois de conversarmos.
— Me conte o que te aflige?
— Primeiro preciso te pedir desculpas…
— Eu ainda gost…
— Por favor Bill, tente não me interromper, depois de tudo que eu te falar, você vê se posso ou não ter seu perdão. Esta cidade me sufocava, eu precisava sair, ver outros lugares. Foi quando conheci Stewart, tinha muita saudade sua, você nunca respondeu um e-mail, não atendeu uma ligação, estava sozinha, triste, meu pai também não falava comigo, ele não aceitava eu ter deixado vocês. Assim Stewart entrou em minha vida, fomos felizes por um tempo, mas eu não tinha o brilho no olhar, e ele viu isso. Então meu pai morreu, eu tinha que vir pra cá, não vim pro enterro, não estava preparada pra esta cidade. Stewart me disse, vai atrás do que faz seus olhos brilharem, arrumei minhas coisas e vim.
— Eu te perd…
— Bill?
— Desculpe, continue.
— Eu vim, mas não vim sozinha.
— Como assim?
— Bob veio comigo.
— Como assim?
— Quando eu fui embora, sabia que estava grávida de três meses, pensei em tirar o bebê, mas me apaixonei por ele na minha barriga, e era um pedacinho seu. Me desculpe ter escondido isso.
— Você me privou de ver o nascimento do meu filho, me privou de receber a notícia de sua gravidez, me privou de ver sua barriga crescer. Mais do que isso, um outro homem viveu grande parte disso. Preciso pensar, vou tomar um banho, estou dois dias sem dormir, me espere aqui.
Bill foi para o estúdio, precisava esfriar a cabeça, mas antes de tudo, precisava ver a foto do pequeno Bob. Assim que viu, foi amor a primeira vista, voltou correndo com a foto na mão, mas Kristine havia ido embora. Já estava tarde, ela sozinha, e aquela criatura solta. Ligou, e caixa postal.
Pegou a foto do pequeno Bob, e percebeu que havia algo escrito atrás. “Bill, você demorou pra chegar, olhei suas fotos, me desculpe. Não sei quem ou o que fez isso, mas na parte de trás do que parece ser o rosto da vítima caída no chão, se prestar bem atenção, tem uma marca, e é a marca de uma pulseira de relógio Cartier, provavelmente esta coisa bateu com tanta força na vítima, que a marca da pulseira ficou gravada, são daquelas pulseiras que esticam, pulseiras elásticas. Stewart tem um desse. Ps: dá pra trabalharmos juntos, risos”. Como não tinha visto isto antes? Ligou pro xerife na hora.
— Fala Bill, já dormiu?
— Me escuta xerife, é muito sério o que vou te falar.
— O que foi Bill?
— Sei que vai parecer loucura, mas preste atenção. O suspeito de matar Smith e o andarilho é humano.
— Quantos Royal Salut já bebeu hoje?
— É sério Ted, pelo menos um pouco humano. Ele usa um relógio Cartier.
— Você está bem?
— Em uma das fotos que revelei, tem uma marca atrás do pescoço da vítima, e é da pulseira de um relógio Cartier. Mande quem você puder pro bar do Pitty, vê se tem alguém com um relógio Cartier, ele é nosso suspeito.
— Vou mandar Bill, você nunca me decepcionou, te devo essa.
— Só mais uma coisa, você gosta de pescar, que lua nós estamos xerife?
— Lua cheia, por que Bill? E pode me chamar de Ted, afinal somos amigos.
— Acho que é um lobisomem.
— Agora você foi longe demais.
— Mande quem puder pro bar do Pitty, eu vou atrás de Kristine e do meu filho.
— Filho?!
— Agora não tenho tempo, depois te explico.
Bill desligou o telefone, pegou sua garrafa de Royal Salut de trezentos dólares, pegou umas fatias de rosbife e bacon, enfiou em quatro fatias de pão de forma, colocou em um saco de papel e levou tudo pro carro. Antes de sair ligou pra Suzy. Suzy era a melhor amiga de Kristine.
— Oi Bill.
— Oi Suzy, você está com a Kristine?
— Não, ela pegou Bob, e disse que ia voltar pra casa.
— Obrigado, depois te explico.
Pegou sua caminhonete Silverado e saiu cantando pneu. Parou no posto onde foi encontrado o corpo. Haviam várias pessoas, estava procurando por Tim. Entrou na antiga loja de conveniência.
— Tim, Tim!
— Está procurando alguém playboy?
Um rapaz tirou um estilete da cintura.
— Acho que vou ficar com a sua carteira, playboy.
— Pode ficar, estou procurando Tim, você o viu? — perguntou passando a carteira pro grandalhão.
— Devolve a carteira pra ele Snake.
— Mas Tim.
— Snake, por favor.
— Está bem Tim.
O grandalhão devolveu, e se mandou.
— Obrigado Tim, te trouxe whisky e um lanche de rosbife com bacon. Preciso que me conte o que viu.
— Já vi muita coisa feia neste tempo que moro na rua, mas o que vi nesta madrugada me assustou mesmo, não era humano, e ao mesmo tempo era, não consigo explicar. — E começou tomar o caro whisky aos goles.
— Ei, devagar, eu entendo o que está me contando, continue.
— Estava dormindo, quando ouvi ossos se quebrando, e gritos. Aquela criatura que parecia um lobo, um lobo gigante que andava sobre duas pernas, como um homem. Era muito forte, cada tapa que ele dava, era um membro que era destruído, jorrava sangue pra toda parte, quando o homem já tinha sido dilacerado, a criatura se ajoelhou sobre aqueles pedaços de corpo, olhou para o céu, mas precisamente pra lua, uivou, como se estivesse agradecendo, e em poucos segundos se transformou em um ser humano. Vou embora, esta aberração pode voltar para me pegar.
Obrigado pelo whisky e pela comida, a maioria das vezes somos invisíveis.
— Por nada Tim, só mais uma coisa, como ele era na forma humana?
— Tinha um e noventa de altura, uns cem quilos, cabelo grisalho, foi o máximo que consegui ver chapado e com medo, foi um milagre ver isso.
— Muito obrigado e boa sorte, tome este dinheiro pra você. — Tim lhe agradecia, quando o telefone tocou. Era o xerife.
— Estou com seu homem na delegacia.
— Estou perto, estou indo pra aí.
Dez e meia da noite, Bill chega a delegacia.
— Aí está o homem do Cartier Bill.
— Não é ele.
— Como?
— Onde arrumou este relógio amigo?
— É meu.
— Quer ser acusado de dois homicídios? Se não, é melhor falar a verdade.
— Está bem. Estava no banheiro, um homem de cabelo grisalho e bem forte entrou, estava com o pulso machucado, tirou o relógio pra lavar o ferimento, deixou o relógio no lavabo e foi ao mictório, então peguei e fui pro balcão do bar, vi o homem sair do bar, entrar em uma Mercedes e ir embora.
Enquanto isso…
Um acidente na pista principal da cidade impediu Kristine de sair, fez o retorno e se dirigiu pra antiga pista da cidade, a estrada onde foi achado o corpo do andarilho. Era uma noite com uma grande lua cheia. Bob ia dormindo como um anjo no banco de trás. Kristine sente a direção pesada, o carro balança de um lado pro outro, até que para no acostamento. A roda do carro havia quebrado.
Há alguns quilômetros dali Bill está apavorado, tenta ligar pra Kristine, e só caixa postal.
Onze horas da noite, ele chama o xerife pra ir até o senhor Kline, o joalheiro da cidade.
— Boa noite xerife, Bill, no que posso ajudar vocês a esta hora?
— Fale com Bill, ele me trouxe até aqui.
— Preciso de prata, derretida.
— Eu tenho, não muita, vou pegar.
Discreto, um dos requisitos desta profissão, o joalheiro nem questionou pra que era. Enquanto isso os dois sussurravam:
— Você ficou louco Bill?
— Ted, você faz suas munições, já fizemos uma entrevista sobre isso, vamos fazer balas de prata.
— Você acredita mesmo nisso?
— Tenho certeza, mas agora não temos tempo, a mulher que amo e meu filho estão em perigo por aí, eu sinto isso.
— Aqui está sua prata Bill.
— Obrigado senhor Kline. — Bill pagou o homem e foram até a delegacia fabricar suas balas.
Onze e trinta da noite, no outro canto da cidade Kristine está parada no acostamento de uma estrada deserta, apenas ela e e o pequeno Bob de quatro meses. Ela tira o telefone da bolsa e vê que está desligado. Então o telefone de Bill toca.
— Kristine, onde você está?
— Estou na antiga estrada, eu e Bob, meu carro quebrou.
— Escute, só escute, saia daí com o carr…
A bateria do telefone dela acaba. Bill tentou ligar de volta sem sucesso.
— Bob, seu pai está vindo pra nos tirar daqui.
Uma Mercedes branca para atrás do carro dela. Um homem forte e grisalho desce do carro.
— Boa noite Kristine.
— Stewart, o que está fazendo aqui?
— Vim ver como as coisas estão. Tudo bem com o Bob?
— Sim, o carro quebrou, Bill está trazendo socorro. Me empresta o celular, vou ligar pra ele, ele parecia muito preocupado. Como nos achou aqui?
— Pelo GPS do carro.
Stewart lhe deu o celular e ela fez uma chamada de vídeo com o Bill, queria que visse Bob.
Zero horas e quatro minutos da manhã, o telefone de Bill toca, era uma chamada de vídeo.
— Bill sou eu.
— Vocês estão bem.
— Stewart está aqui, olhe seu filho Bob.
Ela virou o celular em direção a Bob e Stewart, Bill viu o pequeno Bob, mas viu também o gigante grisalho, ele congelou por alguns segundos, um frio na espinha.
— Kristine, se afaste deste hom…
Stewart pegou o telefone de sua mão e desligou.
— Você está bem Stewart?!
A lua refletia em seus cabelos grisalhos, Stewart começou a se contorcer, seu corpo foi mudando, se transformando em uma aberração bem na frente dela. Kristine entrou no carro e se trancou com o pequeno Bob.
Meia noite e dezessete da manhã, há alguns quilômetros de Kristine e de Bob.
— Não temos mais tempo Ted.
— Consegui fazer quatro balas Bill.
— Ele está lá!
— Ele quem? Se acalme homem.
— Preciso de uma arma.
— Tome essa, eu vou com você, serão duas balas de prata pra você e duas pra mim. Só por precaução.
Meia noite e trinta e três da manhã.
Kristine estava apavorada no carro, olhava pra fora, olhava pelos retrovisores e nada de Stewart, nada daquela criatura. Escuta um forte estrondo na parte de cima do carro, Stewart estava andando em cima do teto. Escuta barulho de ferro amassando, a criatura tira um pedaço da lata do teto como se fosse papel, enfia a mão pra dentro do carro e puxa o pequeno Bob. Kristine saí pelo teto rasgado e segura a perna da criatura. A besta se enfurece, puxa ela pela blusa com apenas uma mão, a outra segura o bebê, ele a joga no chão.
Bob começa chorar, a besta leva a criança em direção a boca, como se fosse morder.
— Não Stewart, solte ele por favor!!!
A besta em um rompante de lucidez se acalma por segundos, depois leva a criança em direção a boca de novo e lhe dá uma pequena mordida no braço, arranhando-a com os dentes.
— Solte ele maldito!!!
Meia noite e quarenta e nove da manhã, Bill e Ted chegam e veem a criatura sobre o teto do carro. Parece uma cena do filme King Kong em uma dimensão menor.
Ted saca a arma pra atirar na besta, mas Bill o impede.
— Não, se aproxime mais, ele está com meu filho.
Eles se aproximam, Bill tira Kristine do chão e leva pra viatura. Escuta dois disparos, Ted atira na besta que se enfurece. Ela pula em direção ao xerife com a criança no colo, com o golpe de uma mão apenas, ele abri a cabeça de Ted ao meio, seu corpo tomba já sem vida no chão. Bill acerta três tiros na criatura, as balas de prata são as últimas do tambor que tem sete.
A besta enfurecida coloca o pequenino no capô do carro, e parte em direção de Bill que ainda consegue efetuar dois disparos que acertam a besta e a retardam, mas não tem tempo de fazer outro disparo, a criatura é muito ágil, ela pula em cima de Bill e o derruba, tira a arma de sua mão e joga longe.
Ele levanta Bill como se fosse um punhado de nada, o joga no capô da viatura. Bill sente que seu fim está chegando, tenta usar o resto de suas forças para segurar a besta, como se isto fosse possível. A criatura com apenas um golpe quebra-lhe o braço, Bill grita de dor, olha pro braço e vê ele atravessado por um osso, como se fosse uma flecha atravessada. A besta levanta a mão para dar o golpe fatal, Bill fecha os olhos e vê o filme da sua vida passando em segundos diante do seu nariz. Aquele silêncio mórbido é quebrado por cinco estampidos seguidos, aquela montanha peluda tomba sobre ele. A besta caída, levanta a cabeça, se vira pra trás e vê Kristine empunhando a arma do xerife, a última imagem nos olhos da besta é de sua ex amada e agora algoz.
A besta tomba de vez, Bill se arrasta pra sair debaixo daquela criatura, com apenas um braço, a medida que se arrasta aquele osso atravessado vai desenhando no chão. A besta começa sua metamorfose, uma couraça quase intransponível vai dando lugar a um corpo grande e frágil, agora é apenas um montanha branca de carne sem vida.
Kristine pega o pequeno Bob no capô. A inocente criança sorri pra mãe, como se nada tivesse acontecido.
— Bill, você está bem?
Ele levanta cambaleante, com o braço dependurado.
— Oi Bob, sou seu pai, nunca mais nos separaremos. Você tem o nome de uma grande pessoa. O seu avô foi um grande homem. Você vai gostar de Deep Purple que nem ele?
Os olhos de Kristine se encheram de lágrimas.
— O que é isto no braço dele?
— Um pequeno arranhão, mas a mamãe já vai curar.
Kristine e Bill se beijam, agora voltariam a ser felizes juntos.
ESCRITO POR: Guto Costa