Há alguns anos, deixei meu trabalho de motorista de ônibus para ganhar a vida como caminhoneiro. No início, estranhei um pouco, afinal, eu não tinha mais horário fixo. Toda hora é hora!
Rodo diversas estradas, conheço lugares novos; ou seja, no geral, é um bom emprego. O único problema é a saudade que sinto da minha família. Vejo minha esposa e filhos apenas cinco vezes ao mês. Sempre que me despeço, vejo os olhos lacrimejantes das crianças. Isso parte meu coração. Mas preciso trabalhar. É para o bem deles.
Numa noite qualquer, enquanto eu dirigia, ouvi a notícia de que um homem pedia carona para os caminhoneiros e depois os matava. Achei a notícia confusa, pois não citava o local, as vítimas, enfim. Não me importei com isso. Nem sei se deveria ter me importado.
Durante uma parada num posto de gasolina, ouvi alguns caminhoneiros comentando sobre o homem que matava nossos colegas de profissão. Eles estavam muito assustados, temiam por suas vidas. Mas eu continuei despreocupado. Continuei fazendo minhas viagens sem problema algum.
Na véspera de feriado, minha esposa manda uma mensagem apavorada, pedindo para eu dar notícias. Coitada. Eu estava tão atarefado que fiquei sem conversar com ela e com meus filhos por dois dias.
Depois de concluir algumas entregas, voltei pra casa e consegui passar um fim de semana inteiro com minha família. Cheguei em casa numa sexta-feira de manhã e só voltei ao trabalho na segunda. Eu realmente estava exausto.
Antes de pegar a estrada novamente, minha esposa me abraçou forte e pediu para que eu tivesse cuidado. Aquele abraço foi o mais quente que recebi em anos.
De volta ao trabalho, ouço mais notícias sobre assassinatos. Mas as vítimas não são apenas caminhoneiros, mas qualquer pessoa que estivesse andando sozinha nas rodovias. Algumas testemunhas disseram que o assassino dirigia um caminhão. Ao saber disso, minha displicência com o caso se transformou em preocupação, pois se o assassino dirigia um caminhão, eu podia conhecê-lo.
Numa das paradas rotineiras, notei que havia manchas de sangue na porta do meu caminhão. Fiquei assustado, apavorado. E se fosse um aviso? Mostrei aquilo à um amigo, ele também se assustou. No outro dia, não tive mais contato com ele e não nos falamos desde então.
Conversando com minha esposa sobre os assassinatos, ela pediu para que eu ficasse calmo e que se desconfiasse de algo, eu deveria chamar a polícia. Tempo depois, ela caiu em lágrimas ao contar que um dos meus colegas havia sido brutalmente assassinado.
Minha esposa sempre foi muito bondosa e preocupada com as pessoas ao seu redor, mas não entendi o motivo das lágrimas, afinal, ele era meu colega, e não colega dela. Na verdade, eles mal se falavam. Apenas se cumprimentavam.
Depois de saber da morte do meu colega, fiquei um pouco abalado. Ele também tinha uma família que o aguardava em casa.
Durante uma viagem e outra, sempre encontrava alguns colegas, velhos conhecidos de profissão. Isso me distraía. Era bom. Num desses encontros, um amigo de longa data, que há muito tempo eu não via, disse que precisava me contar algo importante; mostrar algo, melhor dizendo. Então, ele abriu a galeria de fotos do celular e mostrou algo que eu acreditava que só eu tinha permissão para ver, minha mulher nua. Ele mostrou ao menos dez fotos da minha esposa. Ela mandava essas fotos para o meu colega que havia sido executado, eram amantes.
Meu amigo ficou surpreso ao notar minha reação. Eu não esbocei reação alguma.
Ele disse que me mostrou as fotos para eu não sentir pena daquele desgraçado que costumava ser meu colega, pois ele mandava as fotos da minha esposa para todos que conhecia. Depois disso, ele pediu para eu tomar muito cuidado, pois o “homem no caminhão” estava fazendo vítimas toda semana. Achei engraçado o nome que inventaram para o assassino. Enfim.
Mais algumas viagens concluídas e eu já poderia voltar pra casa. Mas preferi adiar um pouco meu retorno. Eu não estava preparado para ver o rosto da minha esposa.
Talvez eu não tenha mencionado, mas sempre ando com uma arma de fogo e algumas facas na boleia do caminhão. No começo era por precaução, mas depois que usei pela primeira vez, passei a usar por diversão.
Tantas pessoas com medo do assassino nas rodovias, meus filhos sempre preocupados, temendo pela minha vida. A desgraçada da minha esposa chora a morte do amante todos os dias e teme que eu possa ser a próxima vítima. Eu não tenho porque temer. O homem no caminhão sou eu!
Autor: Régis Di Soller