Meu relato será breve, tão breve quanto o tempo em que passei trabalhando com instrumentação cirúrgica.
Assim que concluí o curso nessa área, fui chamada para uma entrevista de emprego e consegui a vaga. O meu local de trabalho era excelente, ou melhor, aparentava ser. Funcionários muito competentes e dedicados e chefiados por um profissional primoroso, o doutor Hélio.
Doutor Hélio trabalhava há anos no hospital e era um homem respeitado por todos, mas sua aparência de velhinho simpático escondia uma pessoa perversa.
Lembro que na primeira semana de trabalho, Juliano, outro instrumentador; me orientou para que eu nunca aceitasse um convite de festas do doutor Hélio, pois se eu fosse uma vez, teria que ir em todas. Na minha ignorância, achei que era uma forma de dizer que as festas eram sensacionais.
No fim do ano, doutor Hélio organizou um amigo secreto pouco convencional. Cada convidado teve que levar uma bebida de no mínimo 40% de teor alcoólico e um instrumento de trabalho.
A festa foi numa sala do hospital que somente doutor Hélio tinha acesso.
Quando chegamos, bebemos três doses do whisky oferecido pelo anfitrião. Eu nunca tinha tomado esse tipo de bebida, mas eu tinha certeza que o sabor não era tão ruim.
Depois de beber, percebi meu corpo tomado por uma adrenalina que nunca senti antes. Fiquei agitada e logo, reparei que os outros funcionários convidados também estavam; não somente agitados, mas excitados, ansiosos.
Doutor Hélio descobriu a mesa de frios. O que eu pensei ser comida, na verdade era Juliano. Ele estava imobilizado, porém atento à tudo ao seu redor. O anfitrião disse em poucas palavras, que Juliano estava atrapalhando a tradição e por isso, deveria fazer parte do processo de união da equipe, sendo sacrificado pelos próprios colegas.
Aos poucos, comecei a entender que as festas realizadas pelo doutor Hélio, na verdade eram rituais. Ele usava pacientes à beira da morte para se divertir e para “capacitar” seus funcionários. Juliano queria acabar com isso. Tentou denunciar as festas ao diretor do hospital, mas ele já sabia de tudo e contou à Hélio.
Ao comando do anfitrião, os funcionários começaram o ritual. Dilacelaram a pele do meu amigo, que apesar de imobilizado, sentia tudo. Eu não sabia o que fazer. Todos os funcionários estavam com seus instrumentos de trabalho, exceto doutor Hélio, que estava com uma faca de açougueiro.
A bebida estava me afetando, mas precisava tirar meu amigo. Então, avancei no doutor com meu bisturi. Assim que o perfurei, um grito ecoou na sala. Era Juliano, desesperado, pois acabara me ver sendo retalhada enquanto tentava salvar sua vida.