A Caixa em Forma de Coração

por Mundo Sombrio
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Eu sempre acreditei no amor, sempre amei declarações, histórias românticas, enfim, tudo relacionado à essa temática e ao desejo de expressar seu sentimento à pessoa amada.

Recentemente, recebi uma declaração de amor que me surpreendeu. Eu já sabia que essa pessoa me amava, mas nunca havia recebido uma demonstração tão bizarra e fiquei muito surpresa.

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Para entender melhor o que estou dizendo e para dar mais importância à essa demonstração de amor, vou voltar alguns anos.

No ensino médio, conheci um garoto incrível. Ele era engraçado, carinhoso, compreensivo e um grande amigo. E fiz questão de manter essa amizade.
Ele gostava de dizer que me amava, mas eu nunca me senti confortável para dizer o mesmo, pois eu sabia que esse amor que ele sentia por mim era mais que amizade. Na época, eu disse à ele que não estava preparada para um relacionamento, mas meses depois comecei a namorar outra pessoa. Meu amigo ficou arrasado. Acabou se afastando de mim, mas sempre tentava puxar assunto quando sentia saudade. Na verdade, ele sempre sentia saudade, mas foi ele que se afastou e eu nunca dei o braço a torcer.

Durante o tempo que namorei, percebi que meu amigo se tornou uma pessoa diferente. Todo o carisma que ele tinha desapareceu. Ele se transformou numa pessoa difícil de conviver. Eu sabia que um pouco dessa mudança era por minha causa. Ele acreditava que nós nascemos um para o outro. Em qualquer situação, eu acharia essa declaração linda, mas veio de um amigo, não do meu namorado. Então, eu simplesmente ignorava e minha displicência o machucava. Mas ele não falava, apenas guardava a frustração.

Após o ensino médio, ficamos alguns meses afastados. E numa tarde de sábado, enquanto caminhava no shopping o vi. Ele estava diferente. Seus olhos brilhavam, seu sorriso contagiava. Mas o brilho nos olhos e o sorriso largo não eram por minha causa. Ele estava acompanhado. Como eu não o via há quase um ano, resolvi cumprimentá-lo. Quando ele me viu, sua expressão mudou. Seus olhos perderam o brilho, seu sorriso desapareceu. Era como se ele não me conhecesse, mas mesmo assim, me cumprimentou e perguntou sobre minha família. Depois desse dia, nunca mais o vi. Ou melhor, nunca mais o vi vivo.

Como disse anteriormente, recebi uma declaração de amor que me surpreendeu. Era uma carta desse meu velho amigo. Ele faleceu dias depois de enviá-la. Eu nem tive tempo de responder. E devido a distância, também não pude ir ao seu velório.

Ele teve um cuidado especial com a carta. Sua caligrafia sempre foi ruim, e percebi seu esforço para deixar as letras bonitas e bem contornadas. A carta estava dentro de uma caixa em forma de coração. Foi muito caprichoso. O conteúdo da carta não era nada demais. Apenas dizia que sentia saudade e que me amava, ou seja, a mesma ladainha de sempre. Mas o que me intrigou foi a última frase escrita nela: “Van Gogh já era”. De início, não entendi muito bem e fiquei pensando o que ele quis dizer. Eu nunca gostei de pintura, mas sei que Van Gogh foi um artista importante.

Quando meu marido me viu lendo a carta, quis saber quem tinha escrito, pois segundo ele, meus olhos brilhavam enquanto eu lia e eu não parava de sorrir. Honestamente, eu não sei se reagi dessa forma. Mas me senti bem lendo a carta. Era como se meu amigo estivesse do meu lado. Antes de rasgá-la, meu marido pegou a caixa em forma de coração e jogou pela janela.

No dia seguinte, acordei com a caixa do meu lado. Eu pensei que meu marido havia se arrependido da grosseria da noite anterior, mas ele já tinha saído de casa para trabalhar. Fiquei confusa. Quando ele chegou do trabalho e viu a caixa dentro de casa novamente, pegou uma tesoura e a destruiu, pedaço por pedaço. Não sei porque, mas senti um pesar tão grande. Era como se minhas memórias da adolescência estivessem indo para o lixo, junto à caixa. Pensar que meu amigo, mesmo sofrendo com uma doença terminal, se deu ao trabalho de confeccionar um presente para mim e este acabar sendo destruído pelo homem que amo, partiu meu coração.

Semanas após a crise de ciúme do meu marido, passei a enxergar o meu amigo em todo lugar. Era como se o espírito dele estivesse na minha casa. A princípio, eu só sentia sua presença de manhã. Mas depois comecei a sentir a todo momento.

Um dia meu marido chegou tarde em casa e começamos a discutir. Durante a briga, as luzes começaram a piscar e meu esposo foi arremessado contra a parede. Ao tentar levantá-lo, fui puxada para trás.    No dia seguinte, meu marido acordou com as costas machucadas. Era como se ele tivesse sido açoitado durante a noite.

Na madrugada seguinte, ouvimos um barulho na cozinha. Meu marido foi ver e começou a gritar desesperadamente. Assustada, fui ver o que estava acontecendo e para nosso espanto, a caixa em forma de coração estava de volta em nossa casa.

Não sabíamos se aquilo era real ou uma histeria coletiva. Sem saber o que fazer, levamos a caixa no quintal e ateamos fogo. Ao entrar em casa novamente, a caixa estava em cima do sofá. As mãos do meu marido estavam vermelhas. Em pouco tempo, bolhas saltaram de seu corpo, como se estivesse queimando.

Eu não sei o quanto meu amigo sofreu por me amar, mas ele transformou sua dor em ódio. Não sei como explicar, mas seu espírito estava na carta que me escreveu. Depois que meu marido a rasgou, toda a sua raiva se espalhou pela casa. Não nos sentíamos seguros em nosso lar. Precisávamos sair da casa, e assim fizemos.

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Alugamos um apartamento bem longe do nosso antigo bairro. Na nossa primeira noite no novo lar, nada aconteceu. Mas no dia seguinte, ao entardecer, recebi a caixa em forma de coração mais uma vez. Não tinha nada dentro. E isso me deixou aflita. Eu temia por nossas vidas. Eu não podia ligar para a polícia, afinal, como prender um fantasma? Então liguei para os meus pais. Eu precisava de companhia. Meu marido chegaria tarde em casa.

Ao telefonar para minha mãe, senti a tristeza tomar conta da minha alma, pois após explicar o que estava acontecendo, a ligação ficou muda; e esse silêncio destruiu a paz que me restava. Minha mãe começou a chorar, meu pai pegou o telefone e começou a gritar comigo. Pediu para eu nunca mais ligar e quem quer que eu fosse, eu deveria respeitar a dor alheia. Nesse momento, um frio tomou conta de mim.

Olhei ao meu redor e vi meu marido com outra mulher. Ele não me via. Ao ouvir a campainha tocar, deixei a caixa em forma de coração no sofá e fui atender a porta, mas antes de abri-la, ouvi meu marido gritar na sala. Ele e a amante gritavam desesperadamente olhando para a caixa em forma de coração.

Demorei pra lembrar, mas quando meu amigo morreu, uma parte de mim foi junto, e a outra parte, lamentava não ter dito o que sentia. Fui morrendo aos poucos. Padeci segurando a caixa em forma de coração. Sofri pelo que não disse e vou sofrer por não poder mais dizer. Não sei onde meu amigo está. E provavelmente ele nunca mais vai me encontrar. Mas como já adiantei, sempre gostei de histórias de amor, e meu espírito sempre estará em qualquer caixa em forma de coração.


ESCRITA POR: Régis Di Soller

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