Atolado em dívidas, Lúcio não sabia mais o que fazer para ganhar dinheiro. O pouco que ainda tinha, gastou investindo em produtos para revenda, como perfumes, roupas, etc. Sem opções e sem crédito para empréstimos bancários, decidiu conversar com um agiota, mas aconselhado por Caio, seu amigo, desistiu da ideia. Caio também não tinha dinheiro, mas sua situação financeira era mais confortável. Uma vez por mês, Caio usava parte do salário jogando numa casa de apostas e sugeriu que Lúcio o acompanhasse um dia, para tentar a sorte.
Lúcio fora viciado em jogos de azar há alguns anos atrás e temia que, se jogasse novamente, não conseguiria se controlar e perderia sua casa, da mesma forma que perdeu seu carro.
Depois de pensar no assunto, Lúcio decidiu acompanhar o amigo, afinal, suas contas estavam atrasadas e a pensão do seu filho não havia sido paga.
Chegando na casa de apostas, que ficava nos fundos de uma academia, Lúcio notou que muitas pessoas que frequentavam o local eram muito jovens, mas se vestiam como se estivessem vivendo em décadas passadas. “Juventude perdida”, pensou Lúcio.
Quando seu amigo começou a jogar, Lúcio percebeu que os funcionários da casa não eram tão entendidos de jogo quanto ele, então, andou pelo lugar e fez uma varredura na forma que os apostadores jogavam.
Os dois amigos ficaram lá por duas horas. Caio ganhou dois mil reais apostando e isso deixou Lúcio empolgado. Ao receber o empréstimo de cem reais do amigo, Lúcio viu na ilegalidade, uma oportunidade de melhorar sua vida financeira. Caio era bom apostador, não tanto quanto Lúcio, que na noite seguinte voltou sozinho para a casa de apostas.
Para sorte de Lúcio, os mesmos funcionários ruins estavam lá, então começou a mostrar seu talento em jogos de azar. Em duas horas, Lúcio transformou cem reais em cinco mil. E continuou apostando, até que foi pego trapaceando pelo circuito de câmeras.
Os seguranças levaram Lúcio até a sala da gerência, onde foi espancado. O gerente da casa não aceitava trapaças, afinal, se uma pessoa ganha muito, outras deixam de ganhar e consequentemente apostar. Algumas horas depois de sua entrada na casa, Lúcio ainda estava lá apostando. Olhos roxos por causa dos socos que levou dos seguranças. Mas queria ganhar dinheiro. Queria se dar bem. E novamente foi pego na trapaça e de novo apanhou dos seguranças. Lúcio não sabia a hora de parar.
Caio estava preocupado com o amigo, pois não o via há mais de duas semanas. Então, numa noite retornou à casa de apostas, mas ela não funcionava mais lá e ninguém soube informar o novo local de funcionamento.
Depois de dois meses sem notícias do amigo, que não atendia telefonemas e nem estava mais na casa, Caio recebeu a informação de que partes do corpo de Lúcio foram encontradas numa caçamba de lixo e a cabeça estava dentro de um saco plástico. Caio ficou sem reação. Não acreditava que aquilo estava acontecendo. Finalmente se viu livre do lugar que o aprisionara por meses. Caio estava triste pela morte do amigo, mas feliz porque não foi o corpo dele esquartejado. “Uma vida por outra”, assim disse o gerente da casa de apostas antes de liberar Caio para fisgar Lúcio como um peixe.
Lúcio, pobre coitado, apesar de ter sido espancado e morto, ainda estava feliz, pois continuava jogando. Sua alma se juntou às almas aprisionadas dos jovens garotos dos anos 60, que também não viram o tempo passar enquanto jogavam.
O gerente da casa observava os jogadores com muita atenção, enquanto desfrutava e drenava a alma daqueles que já possuía, afinal, ele sempre soube que de um jeito ou de outro, a banca sempre ganha!
ESCRITO POR: Régis Di Soller