Ninguém parecia morar no apartamento número seis. Até onde sabíamos, estava vazio. A data era outubro de 1992. Minha esposa e eu nos mudamos há quase dois meses. Tínhamos comprado o apartamento número cinco e estávamos bastante contentes em morar nele – era um apartamento pequeno, arrumado e aconchegante com cozinha, quarto, banheiro e um quarto que mesclava os espaços de estar e jantar.
Sem mencionar que saiu barato e ficava a apenas 10 minutos à pé da estação de trem. O papel de parede era um pouco feio, e o design da cozinha era um pouco anos 70, mas com um pouco de pintura e algumas idas na loja de móveis, nós deixaríamos do nosso gosto.
Aquele pequeno bairro de Londres era atraente. Era o tipo de lugar suburbano onde tem tráfego suficiente nas ruas para tranquilizá-lo de que você não está no meio do nada e trânsito suficiente para deixá-lo dormir profundamente. A rua também tinha de tudo – uma clínica médica, uma oftalmologista, um dentista e um supermercado.
De qualquer forma, estávamos nos sentindo bem acomodados ao final de dois meses, e tínhamos altas expectativas de nossa nova vida na Inglaterra. Veja, viemos dos Estados Unidos e, apesar do fato de que os ingleses falam a mesma língua que os americanos, havia aspectos de viver lá que eram totalmente estranhos para nós. Estava em casa, mas ainda não era bem “em casa”.
O clima também era meio que um problema – não uma decepção, porém, muitas pessoas nos avisaram sobre as nuvens e a chuva que enchem o céu da Inglaterra no outono e na maioria das épocas do ano.
Talvez agora eu deva voltar o foco para nossa nova casa.
O nosso apartamento era o número cinco de seis apartamentos que pertenciam a um bloco de apartamentos de nome “Gretel Cottage”. Estava situado no meio de uma rua que abrigava uma mistura de casas isoladas, blocos de apartamentos e até algumas pousadas.
Gretel Cottage tinha três andares: no térreo o corredor levava ao apartamento 1 de um lado e ao apartamento 2 do outro, no primeiro andar o apartamento 3 dividia o andar com o 4, e da mesma forma o apartamento 5 dividia o segundo andar com, bem – com o apartamento 6.
Em nossa primeira semana lá, tivemos tempo para conhecer os moradores dos outros apartamentos – pelo contrário, eles que subiram para nos cumprimentar. Eles eram muito amigáveis.
Havia a Srta. Miggins do número 4, o Sr. Smith do número 3, uma francesa no número 1, e um outro companheiro no número 2. Notavelmente, nenhum deles tinha menos de sessenta e cinco. Eu tinha 24 anos e minha esposa 25. Sim, acho que nos sentimos um pouco por fora com nossos vizinhos. Eles pareciam nunca sair de seus imóveis a menos que precisassem de mantimentos, mas eu e minha esposa saíamos diariamente.
Todos eles viviam sozinhos, uns já viúvos e outros divorciados. Acho que é um momento solitário, a velhice – você tem a sensação de que ninguém quer falar com você, você se sente desvinculado de seus entes queridos. Devia ser isso.
Em nosso apartamento em Ohio, literalmente todos os nossos vizinhos eram casais jovens ou famílias. Lá era muito barulhento: sapatos infantis batendo pelos corredores e uma grande quantidade de risadas de adultos e crianças. Às vezes até ouvimos brigas, e os pais repreendendo seus filhos, e claro, muito choro. Mas estávamos cercados por vida e juventude, onde tudo parecia mais brilhante e alegre.
Gretel Cottage era diferente. Era agradável e tranquilo – tão quieto que às vezes parecia meio morto. Talvez o tempo triste tenha adicionado isso a ele, mas a falta de som dava ao edifício uma sutil sensação de solidão. Era triste, de certa forma. Era um pouco estranho.
O bom é que passávamos mais tempo no trabalho do que no apartamento. Nós dois trabalhávamos o dia inteiro e só voltávamos para casa por volta das sete horas da noite. Quanto aos fins de semana, saíamos praticamente o dia todo, nos dois dias, e voltávamos em horários que variavam de seis e meia a mais da meia-noite. Quando estávamos em casa, ou estávamos assistindo tv, fazendo o jantar, ou simplesmente relaxando. Às vezes íamos à academia. Às vezes para o cinema. Às vezes, sentávamos, conversávamos, conversávamos e conversávamos. Nós nos divertíamos muito juntos, eu admito.
Como dito anteriormente, junto ao nosso apartamento naquele andar, também tinha o apartamento 6. Não tinha nada notável sobre ele – tinha uma porta de carvalho e varanda da frente idêntica a todas as outras, com um batedor, uma campainha e um capacho marrom meio surrado. O numeral ‘seis’ feito de latão, tinha sido pregado bem no meio com pregos.
Desde que chegamos, ninguém saiu dali para nos cumprimentar e, depois de uma semana sem ver ninguém entrar ou sair, assumimos que o apartamento estava vazio. Mas o que poderia ter de errado com isso? Nada, certo? Bem – Eu sei que parece infantil vindo de um homem da minha idade, mas há algo um pouco sinistro em casas vazias. Tenho certeza que todos vocês têm uma casa na rua sem ninguém, e aposto que muitos de vocês às vezes tem calafrios quando passam por ela de noite. Vamos lá – admita, casas vazias e abandonadas são assustadoras.
Bem, com o apartamento seis, era assim, mas… diferente – no meu caso, pior. Todos os dias, quando abríamos a porta, para sair de manhã, aquela porta sinistra estava ali esperando por nós e quando voltávamos e virávamos a chave na fechadura sabíamos que a temida porta estava atrás de nós. A imaginação nos fazia pensar “o que será que tem naquele apartamento?” e “e se ele abrir agora e sair algo dali de dentro?”
Tudo bem, isso é um pouco de um exagero. Não era tão ruim assim, só um pouco estranho, só isso. E tenho vergonha de te dizer isso, mas quando eu disse “nós”, eu deveria ter dito “eu”, porque para ser honesto com vocês, minha esposa não se sentia nem um pouco desconfortável com o apartamento número seis.
Sim, eu sei. É vergonhoso, eu sou medroso mesmo – eu admito. Nós dois fomos adolescentes bem diferentes: ela saía e via todos os filmes de terror que podia, enquanto eu via poucos, o suficiente para fazer o lado assustador da minha mente funcionar, mas não o suficiente para amortecer minha imaginação. Até víamos alguns filmes de terror juntos, mas a sugestão para isso nunca vinha de mim.
Agora que eu te falei um pouco mais mim e minha vida na época, e agora que você tem uma ideia de quão corajoso eu sou, eu provavelmente deveria me apressar e contar sobre algumas das coisas que aconteceram no final de outubro de 1992.
Nada realmente estranho aconteceu até que o carteiro veio em uma segunda-feira. Lembro-me que estava sentado à mesa com um prato de ovos mexidos semiacabados, uma xícara de chá, e assistindo a BBC News. Escutei um barulho de papel vindo da caixa de correio e o barulho seco dela se fechando. Minha esposa voltou em um momento com duas cartas na mão. Uma delas, explicou ela, era um anúncio de alguma companhia de seguros, e a outra era uma conta. Ela as deixou na mesa e voltamos ao café da manhã e às notícias. Até aqui, tudo bem.
Então, alguns minutos depois, arrumamos tudo, desligamos a televisão, e saímos. Assim que saímos do apartamento vi um envelope no capacho do apartamento número seis. Dei uma olhada na porta e notei que não tinha caixa de correio – ou melhor, que a caixa de correio tinha sido retirada. Eu nem precisei apontar o envelope para minha esposa – não tinha como não vê-lo; um retângulo branco puro, amarelado nas bordas, colocado discretamente no capacho. Ela fez uma careta confusa, olhou curiosamente para ele por um tempo, e então fez menção de que ia pega-lo. Eu a peguei pelo braço imediatamente, por alguma razão.
“O que foi?”, Perguntou ela, ainda mais surpresa com a minha reação do que por causa do envelope.
“Não”, eu disse, limpando minha garganta e não soltando ela, nem deixando o envelope fora da minha vista, “Deixe isso aí”.
Ela olhou para mim com um sorriso piedoso, balançou a cabeça e me disse que eu estava sendo bobo – mas ela me ouviu, felizmente. Suspirei e agradeci à ela; Eu só não queria que ela se aproximasse da carta, não parecia certo.
Recebi uma chamada estranha naquele dia no trabalho, durante minha hora de almoço. Eu tinha acabado de terminar meu sanduíche de salmão defumado, e estava prestes a comer um biscoito quando meu telefone começou a tocar. Não foi inesperado nem nada, porque recebo ligações de colegas o tempo todo quando estou no trabalho. Mas não era um colega – eu poderia dizer o mesmo.
“Olá? Quem é? Eu perguntei claramente, mas tudo que eu podia ouvir era a estática que se ouve no fundo de uma chamada.
“Olá? Olá?” Eu perguntei.
Então eu posso jurar que ouvi risos – uma espécie de gargalhada alegre, como se fosse algum adolescente brincando de me passar trote. Mas eu não tinha certeza se era um adolescente; parecia velho – meio estranho. Estava tudo muito estranho, então desliguei o telefone e verifiquei o número. Estranhamente, o número era muito semelhante ao número do nosso apartamento, mas dois dígitos eram diferentes. “Acho que deve ser um vizinho ou algo assim. Talvez o agente imobiliário.” Eu disse isso a mim mesmo, mas não tinha tanta certeza. O agente imobiliário não teria rido de mim assim.
Então algo mais estranho aconteceu. Cheguei em casa antes da minha esposa. Estava virando a chave na fechadura quando algo me fez olhar para trás. O envelope na porta do número 6 – tinha sumido. Eu olhei petrificado para a porta por um tempo, e ela parecia me encarar profundamente também. Minha imaginação ameaçou me assustar, então abri a porta do meu apartamento o mais rápido que pude, e a fechei atrás de mim. Lembro de me sentir um pouco ansioso para que minha esposa voltasse logo. Algo sobre a carta ter sumido me assustou de verdade – alguém estava vivendo no apartamento número seis, e eles tinham saído para pegar o envelope enquanto eu estava fora. Só pode.
Liguei a TV e fiz uma xícara rápida de chá, sentado, meditando, e assistindo ao noticiário enquanto esperava o retorno da minha mulher. Quando ela voltou, eu lhe disse que esperasse no apartamento enquanto eu checava algo lá fora. Ela esperou enquanto eu corria escada abaixo e para fora do prédio para verificar as janelas do apartamento número seis. Eu vi que as cortinas estavam fechadas e os painéis estavam precisando de uma limpeza há anos. Quando voltei para o apartamento, minha esposa também tinha notado a ausência da carta. Ela estava parada na nossa porta, e apontando para o capacho do apartamento seis.
“Você já viu?”
“Sim, eu sei”, eu disse, “tem alguém morando aí- eu tenho certeza que tem.”
Ela caminhou até a porta do número seis, e estava prestes a tocar a campainha quando eu gritei para ela:
“Não faça isso!”
“O que há com você, Matt?”, Ela olhou para mim de uma forma um pouco preocupada, e então levantou a mão para tocar a campainha.
“Por favor, não – eu não tô gostando disso!”, eu protestei como uma criança.
“Eu realmente não entendo você às vezes”, ela balançou a cabeça, “isso é estúpido – eu vou tocar a campainha”, e ela o fez.
Ela estava calma e pronta para cumprimentar quem quer que fosse, e eu tenso. Não tenho certeza se eu queria conhecê-los. Como eu esperava, ninguém respondeu ou sequer parecia se mover por dentro da casa. Se o incidente do envelope não tivesse acontecido, então estaríamos convencidos de que o apartamento seis estava vazio.
“Que diabos? Não tem ninguém aí – acho que eles estão fora”. Minha esposa presumiu isso.
“Fora?!” Eu protestei: “Eles nunca saíram daí desde que chegamos aqui. Se tiver alguém aí, com certeza deve ser algum tipo de esquisitão antissocial. Ou talvez tenham morrido um tempo depois de pegarem a carta!”. Não sei por que disse a última parte, mas isso me assustou ainda mais.
“Talvez, Matt,” minha esposa começou, quando voltamos para nosso próprio apartamento, e quando ela acendeu a luz da sala, “talvez não haja ninguém lá, e o zelador simplesmente pegou a carta pelo fato de ela não ter sido pega por mais ninguém.”
Eu não estava 100% convencido, mas tudo bem para mim – eu gostei muito mais dessa explicação, então ficamos com ela e comemos o jantar.
“Ah, e a propósito”, minha esposa me perguntou mais tarde, quando chegamos na cama, “você recebeu uma ligação hoje por volta das duas horas?”
“Sim , um telefonema estranho, com um cara rindo?”
“Sim… Aconteceu isso comigo hoje também”.
“Sério? Quem você acha que foi – poucas pessoas aqui têm nossos números, você sabe disso.”
“Eu não tenho certeza. Espero tenham sido os filhos do corretor brincando – talvez tenham pego nossos números de telefone da agenda do pai.”
Eu concordei, mas não parei de pensar naquilo até dormir. Sonhei com o apartamento 6 naquela noite. Sonhei que abria a porta e só podia ver a escuridão dentro. Sonhei que ouvia aquela mesma risada esganiçada vindo de algum lugar na escuridão.
Na terça à noite, cheguei em casa e descobri que tinha esquecido minhas chaves no trabalho, e que meu telefone tinha ficado sem bateria.
Você pode imaginar como eu fiquei frustrado quando descobri que minha esposa não estava em casa, e que eu tive que esperar no chão que ela voltasse pra casa pra que eu pudesse entrar. Você pode imaginar como minha barriga doeu de ansiedade quando ela não chegou na hora habitual e eu não podia ir até ela. Aposto que pode imaginar como fiquei desconfortável quando me sentei no chão a três metros da porta para o apartamento número seis.
Sabe, quando você está sozinho e vulnerável, assustado, você parece pensar nas últimas coisas que gostaria de pensar quando está se sentindo tenso. O sonho de ontem à noite, por exemplo, ficava martelando na minha cabeça e eu pensei que a qualquer momento a porta do número seis iria abrir e algo iria sair e me ver, e eu iria vê-lo. Claramente, minha esposa estava tentando falar comigo, pois eu podia ouvir o telefone tocando lá de dentro do nosso apartamento – ela já esperava que eu estivesse em casa. Eu estava feliz que ela estava bem, e capaz de me ligar, mas fiquei nervoso ao pensar que ela provavelmente estava ficando ansiosa comigo também.
Então eu olhei para a porta do apartamento número seis novamente, e eu podia jurar que ouvi um “clique”, um pequeno barulho, vindo de algum lugar dentro daquele apartamento. Eu franzi a testa e ouvi atentamente, mas não consegui ouvir mais nada.
Depois disso, fui lá fora para escapar daquele aterrorizante repouso por por um tempo – ela ainda não estava de volta e já eram nove e meia. A chuva forte começou e me forçou a voltar para dentro e para o chão. Eu já estava pensando em pedir um telefone emprestado para um vizinho (sim, a essa hora da noite), mas para meu grande alívio, pouco depois das dez horas, ela subiu os degraus até o apartamento e se assustou ao me ver caído no chão do lado de fora da porta.
“Graças a Deus, eu estava ficando preocupado com você, onde você esteve?”, levantei-me e falei rapidamente, recuperando o fôlego.
“Meu colega se ofereceu para me trazer para casa – mas o trânsito estava horrível. Tentei ligar para o seu celular, mas está sem bateria, não é? E quanto a você? Por que você não está lá dentro?”
Então expliquei à ela que devia ter esquecido as chaves dentro do apartamento pela manhã.
Ela suspirou, abriu a porta e nós entramos. Enquanto eu procurava minhas chaves (elas estranhamente não estavam no gancho de chave), minha mulher acendeu as luzes e eu a ouvi ofegar um pouco na secretária eletrônica.
“Olha quantas chamadas perdidas tem no telefone!”
“Sim – você deve ter me ligado sem parar”, eu disse à ela.
“Eu só liguei duas vezes no telefone de casa – tem seis chamadas perdidas, e – espere. Venha aqui!”
“O que é?”. Corri para ver o que a tinha deixado tão nervosa.
Olhei os números das chamadas perdidas: duas delas eram o número do celular da minha esposa, e os outros quatro números eram o mesmo número.
“É o mesmo número daqueles trotes estranhos que recebemos ontem”, ela parecia agora mais irritada do que nervosa, “malditas crianças!”
Ela apagou as chamadas perdidas e fomos para a cama sem jantar (era um pouco tarde, e nós dois estávamos exaustos). Eu nunca mais encontrei as chaves perdidas.
Quarta-feira foi pior. Recebi mais ligações daquele número, mas a voz rouca e hostil do outro lado estava dizendo coisas agora. Fiquei chocado – intimidado, até – pelo que estava ouvindo. A voz estava dizendo as coisas mais vis, falando sobre estupro, assassinato, e usando praticamente todos os palavrões do dicionário.
O que realmente me assustou nas ligações foi o quanto a pessoa do outro lado parecia saber sobre nós – ele sabia meu nome, o nome da minha esposa, que éramos dos Estados Unidos, se referiu a nós como “ianques imundos” mais de uma vez. Eu decidi denunciar esse cara em algum momento, mas como eu já estava no ônibus indo para casa, resolvi bloquear o número dele. Houve paz por um tempo. E então , justo quando eu pensei que eu não iria ouvir mais daquele desgraçado desagradável e irritante, meu telefone tocou novamente. Fiquei espantado ao ver o que eu achava que era o mesmo número chamando, mas então eu percebi que não era o mesmo. Era o nosso número. Alguém estava me ligando da minha própria casa. Eu atendi e perguntei freneticamente se era minha esposa do outro lado. Aquele som sinistro crepitante no fundo soava, em seguida, o mesmo zombando, rindo e zombando de mim. Levei alguns segundos para entender a gravidade da situação, e quando o fiz, quase vomitei de ansiedade.
Pulei do ônibus, corri para casa, subi os lances das escadas até o meu andar onde me pus em um puro terror total. A porta do meu apartamento estava aberta.
“Meu Deus!”, eu chorei em voz alta.
Entrei correndo no apartamento a fim de pegar o intruso, mas não havia ninguém lá. Então saí correndo pra arrombar a porta do apartamento número 6. Inferno – eu queira mostrar aquela coisa o que acontece com as pessoas que mexem comigo, mas quando eu vi aquele corredor nu, vazio, mal iluminado que dava para a porta, eu não consegui me forçar a entrar naquele lugar. Eu era um covarde, e desmaiei.
A polícia fez uma busca no apartamento número seis assim que chegaram, e também ao redor do nosso apartamento, enquanto eu e minha esposa estávamos esperando fora do prédio. Nos sentimos violados – como se alguém estivesse deliberadamente tentando nos fazer sentir indesejáveis em nossa própria casa. Ela até sugeriu que nos mudássemos, o que seria drástico – eu não a culpo; ela tinha recebido algumas dessas chamadas ultimamente também.
Ficamos tranquilos, se não um pouco frustrados quando a polícia alegou que não tinha encontrado ninguém em nenhum dos apartamentos. Curiosamente, o apartamento seis estava vazio – nós mesmos até demos uma olhada lá dentro e não encontramos absolutamente nenhum vestígio de que alguém morava lá. Também não tinha telefone no apartamento 6, então quem estava nos ligando não poderia estar morando lá. Uma investigação mais aprofundada mostrou que o envelope tinha sido destinado à Srta. Miggins no número 4 lá embaixo, e ela tinha verificado lá em cima, porque seu filho que havia enviado a carta, já tinha, no passado, erroneamente endereçado suas cartas para o número seis. Meus medos sobre o apartamento seis tinham obviamente sido pura paranoia – não havia nada com o que se preocupar no apartamento seis.
Quanto às minhas chaves, elas foram encontradas caídas na escada fora do apartamento – o intruso obviamente as deixou lá antes de fugir.
Demos à polícia o número que estava nos incomodando, e eles nos disseram que investigariam e prenderiam o autor por arrombamento e invasão, bem como por ir contra a Lei de Comunicações Maliciosas de 1988.
Mais ou menos tão tranquilo quanto uma pessoa pode estar depois de ter sua casa invadida, nós dois agradecemos ao inspetor e aos quatro policiais antes de dar-lhes boa noite e fechar nossa porta. Nós suspiramos e caímos cansados no sofá e assistimos a TV por um tempo – era uma espécie de sitcom, “Fawlty Towers” eu acho que era esse o nome. Nós arrumamos um pequeno jantar e comemos na frente da TV, rindo das partes que achamos engraçadas, e rindo de qualquer maneira com o que não era muito engraçado. Por volta das 23:30 desligamos a TV, lavamos os pratos e nos entregamos durante a noite.
Acomodado na cama, eu estava prestes a desligar a lâmpada de cabeceira quando minha esposa me disse para esperar um pouco. Ela estava com o celular na mão e uma espécie de sorriso no rosto.
“Por que não damos ao brincalhão um gostinho do seu próprio remédio?”, ela sugeriu: “Ele com certeza não vai gostar de ser chamado a esta hora da noite!”
“Claro!”, eu disse, gostando da ideia assim que eu a ouvi, ” E o que você vai dizer a ele?”
“Eu não sei – talvez eu faça ruídos assustadores ou algo assim. Qualquer coisa para nos vingarmos dele”.
“Claro, vá em frente!”
Ela discou o número enquanto ríamos para nós mesmos alegremente. Ficamos quietos por um tempo, sorrindo estupidamente enquanto o telefone se conectava. Então um barulho vindo da nossa sala de estar apagou imediatamente os sorrisos dos nossos rostos.
Era o toque de um celular.