A porta da escura capela mortuária foi aberta. Com extrema dificuldade, o velho grotesco arrastou o cadáver recém desenterrado para dentro, o colocando junto de outros cinco.
Limpou o suor da testa e lamentou:
— Ainda falta um!
Voltou-se a porta e saiu, contemplando o grande cemitério coberto pela noite fria. Caminhou até as covas recentes e pegou a pá.
Escolheu uma cova nova e cavou a terra ainda fofa. Logo a pá encontrou o caixão e ele sorriu satisfeito, arrancando toda a terra e abrindo a tampa, desvendando a senhora idosa pútrida com o véu grudado no rosto em decomposição. Sem mostrar nojo, arrancou a defunta do caixão e há arrastou junto dos outros seis, dentro do salão da capela mortuária.
Abriu a porta e gritou vitorioso, enquanto o jovem padre descia as escadas, testemunhando os mortos no chão da capela:
— Eu te disse que conseguiria! Disse que conseguiria desenterrar todos os sete!
O padre sorriu, caminhando por entre os mortos espalhados no chão, colocou a mão sobre o ombro do velho e anunciou:
— O senhor certamente esta pronto. Vou reunir nossos irmãos.
Logo dois homens elegantes entraram dentro da capela. O velho lhes sorriu, se sentindo um deles. O homem abrutalhado de terno cinza aproximou-se do velho sujo e perguntou:
— Sabes o que tem que fazer, não?
O velho rapidamente arrancou um canivete do bolso e se ajoelhou diante de um dos cadáveres. Com um corte preciso, abriu o peito da velha podre e quebrou com as duas mãos os ossos da costela. Depois do feito, enfiou as duas mãos em meio a carne fétida e arrancou o coração da senhora, o colocando sobre a mesa:
— Faça o mesmo com os outros seis – Ordenou o terceiro homem sentado na cadeira, rente com o coração da defunta.
O velho correu o canivete nos corpos, arrancando com paciência todos os corações. No ultimo cadáver, olhou para os três sentados à mesa e rasgou as vestes da moça morta recentemente. Olhou para o peito da jovem todo costurado e sem cerimônia, cortou com o canivete as linhas grossas. Depois de arrancar os pontos, abriu com facilidade o busto da morta e constatou:
— Não tem órgãos aqui! Ela foi enterrada sem o coração!
Os homens se olharam, o de terno cinza levantou-se da mesa e disse ao velho:
— Tem apenas seis corações sobre a mesa. Logo nosso líder chegará para cear e não teremos o suficiente para ofertar a ele. Sabe o que tem que fazer.
O velho mesmo cansado levantou-se e saiu da capela mortuária. E lá fora, no frio da noite, rente com as covas recém-cobertas, começou a cavar em desespero.
Na primeira delas que abriu, viu o caixão vazio. Em seu desespero, saiu de dentro da cova e cavou outra, no limite do cansaço. Estava esgotado, mas firme em seu propósito. Respirou fundo e limpou da testa o suor. Para seu pesar, encontrou o outro caixão também vazio.
Gritou de ódio, sentia-se enganado. Mesmo assim não desistiu, foi até outra cova e cavou com extrema dificuldade. Seu coração apertado disparou quando arrancou a tampa. Viu um esqueleto no lugar em que deveria estar um cadáver fresco. Gritou em ódio e desmaiou exausto, com o frio da noite cobrindo seu rosto. Não tinha forças para se levantar da cova, olhou para cima e viu os três cavalheiros rirem de sua desgraça, de sua derrota perante do teste que achou ser simples.
O homem robusto pulou dentro da cova, e com uma faca na mão, abriu o peito do velho que mal conseguia gritar. Em ultimo instante, sentiu as mãos entrarem em seu peito e testemunhou em desgraça seu coração preencher a mão do algoz.
Sentados á mesa farta, levantaram-se para receberem o grande líder, o Bispo. Este entrou calmo pela porta da capela, pediu para eles se sentarem e também se sentou diante de uma bandeja.
Abriu a tampa e contemplou o coração ainda quente. Sorriu aos seus discípulos e disse contente:
— Um coração fresco, tal qual pedi! Vocês são realmente dignos de estarem aqui!
Com fome e gana, comeu o coração do velho sujo, deixando o sangue ainda quente escorrer pelo canto da boca.
O velho agora era um deles.
Por: Julio Cezar Dosan