Não gosto quando postam fotos daqui nas redes sociais. Isso aqui não é macabro, isso aqui não é uma cidade fantasma, não está em ruínas.
Disse Rodrigo Meirelles, de 39 anos, com um olhar triste para o lugar que abriga o que sobrou do Park Albanoel. Os letreiros caíram. Os bonecos de fibra de vidro pelo jardim estão sujos e quebrados, e sua pintura, descascada. Alguns foram pichados. O que havia de metal enferrujou há tempos.
O parque temático natalino à beira da rodovia Rio-Santos, em Itaguaí, a 85 km do Rio de Janeiro, chegou a ter milhares de visitantes no início dos anos 2000. Excursões e famílias passavam o dia se divertindo de graça nos brinquedos, piscinas e tobogãs.
Depois que o Albanoel fechou, há 13 anos, a maior parte do que havia no parque ficou sem manutenção; com o tempo, foi estragando sob o sol e a chuva.
O encanto se perdeu, e a visão um pouco sinistra dos papais noéis sorridentes e em decomposição rendeu uma nova fama ao Albanoel, que volta e meia aparece em vídeos e listas na internet sobre parques temáticos abandonados ao redor do mundo.
Os únicos visitantes que aparecem hoje são alguns curiosos que vêm fotografar ou filmar, ou as pessoas que aproveitam a parada para um lanche na barraca de pastel e caldo de cana em frente à entrada para fazer fotos inusitadas que rendem um punhado de curtidas.
Para o desgosto de Rodrigo, que concilia o emprego como funcionário público com a responsabilidade de cuidar do parque.
Quando as pessoas pedem para tirar fotos, nem dou confiança. Não deixo mais, porque sempre usam para falar mal, nunca é para falar bem. Isso é muito chato. Pô, cara, isso aqui era lindo. Era coisa de outro mundo. Só que, infelizmente, o dono morreu.
O ‘Papai Noel de Quintino’
O deputado estadual Albano Reis foi atropelado em frente ao parque que criou, em uma noite de dezembro, a poucos dias do Natal.
Albano era conhecido como o “Papai Noel de Quintino”. Ele ganhou esse apelido porque distribuía todos os anos na véspera de Natal brinquedos (para as crianças) e dinheiro (para os adultos) em Quintino Bocaiúva, bairro na Zona Norte do Rio, onde foi criado.
O político costumava contar que ele e seus irmãos haviam sido muito pobres quando eram crianças. “Ele falava que nunca teve um Natal na infância”, diz Rodrigo.
Albano prometeu para si mesmo que, quando melhorasse de vida, ajudaria outras pessoas em dificuldade.
“Eu tinha 18 anos e havia reservado um dinheiro para quando fosse servir no Exército, porque militar ganhava pouco. Mas não entrei e fiquei com aquele dinheiro sobrando. Decidi concretizar aquele pacto que tinha feito comigo”, contou o político em uma de suas últimas entrevistas, à TV Alerj, em 2013.
No final dos anos 1990, ele já havia deixado a Polícia Militar e feito carreira na política quando começou a construir uma cidade do Papai Noel em um grande terreno que havia comprado no sul do Estado do Rio.
“Resolvi manter um Natal permanente na minha vida”, explicou Albano.
Um complexo de entretenimento
Ele tinha planos ambiciosos. Queria fazer um grande complexo de entretenimento naquele lugar. “O desejo do Albano era fazer uma coisa bem bonita aqui, tipo um parque do Beto Carrero”, diz Rodrigo.
Além do Albanoel, o político construiu ao lado do parque a Cidade Country, onde havia restaurantes e lojas em um cenário de faroeste. O projeto também previa um parque aquático.
“Tinha crianças que conheciam a Disney e faziam questão de parar na cidade do Papai Noel. Isso dava muito orgulho nele”, diz Jefferson Reis, de 43 anos, um dos quatro filhos de Albano.
Rodrigo foi trabalhar no Albanoel em 2001. Ele procurava emprego, e um amigo disse que o político podia ajudar. Ele conta que começou como ajudante de pedreiro e ajudou a fazer boa parte do que havia ali, como uma “réplica” da Arca de Noé.
Depois, diz Rodrigo, conquistou a confiança de Albano, e ficou responsável pelos mais de 80 funcionários. “O sonho dele era inaugurar tudo de uma vez, mas ele viu que ia ser difícil e foi fazendo por etapas.”
Por que o parque fechou
O Albanoel começou a funcionar no ano 2000. “Abria todos os dias, o ano todo. No final de semana, vinham vários ônibus de excursão e famílias. O Albano ficava aqui na rede e se divertia vendo as crianças brincando”, conta Rodrigo.
Depois, foi aberta a Cidade Country. Mas o parque aquático nunca chegaria a ser concluído, nem a réplica do Cristo Redentor, que Albano pretendia fazer maior do que a estátua no topo do Corcovado, porque Albano morreu antes, quando tinha 60 anos.
O político havia construído uma casa para ele no terreno do parque, onde passava a maior parte do seu tempo quando não estava no Rio. Na noite de 18 de dezembro, ele decidiu ir jantar na pizzaria ao lado.
Depois de assistir ao jornal na TV, Albano foi caminhando pela lateral da estrada, como costumava fazer, até o restaurante. Um motorista invadiu o acostamento, o atropelou e fugiu sem prestar socorro.
A família chegou a suspeitar que Albano havia sido assassinado. Mas a investigação policial concluiu que foi um acidente e chegou ao culpado, que confessou o crime.
O parque ainda funcionou por mais dois anos depois da morte de Albano. Mas a família, com problemas na Justiça, decidiu fechá-lo em 2006.
“O Ministério Público alegou que havia ocorrido desmatamento, e a Justiça aplicou uma multa de R$ 10 mil para cada dia em que o parque funcionasse. Como a entrada era gratuita, a gente não teve mais como manter aberto”, diz Jefferson.
‘Vamos reabrir’
O Albanoel foi então se deteriorando. Rodrigo tirou do jardim os brinquedos que foram ficando em pior estado.
“Já estavam feios, enferrujados, e fiquei com medo, porque as crianças chegavam aqui e iam logo trepando neles. Alguma delas podia se machucar, e isso ia dar problema”, diz ele.
Muito do que havia pelo parque está hoje amontoado em um galpão na parte de trás do terreno, onde tudo foi fabricado. Ali foram parar alguns papais noéis, a maioria das renas, os trenós, velas gigantes e muitas, muitas bengalas de açúcar.
Um Jesus e uma Maria, que um dia já foram o destaque de um presépio, ficam cuidadosamente encostados na parede do fundo do galpão, protegidos da confusão.
“De noite, a gente acendia tudo. Era uma maravilha”, diz Rodrigo.
As luzes pisca-pisca estão ainda presas aos coqueiros, mas pararam de funcionar muito tempo atrás.
Uma árvore irrompe da proa da “Arca de Noé”, e há um buraco enorme no seu casco. Dos animais que escaparam do dilúvio bíblico, só sobrou um leão solitário, coberto por musgo.
Uma das atrações do parque era um viveiro de animais exóticos, mas a maioria já morreu – menos um pavão, que hoje em dia divide o pequeno espaço com algumas galinhas.
As piscinas estão secas, e os tobogãs escureceram e se retorceram com o sol forte e o calor que costuma fazer em Itaguaí.
Renato diz que bate uma tristeza quando se lembra de quando o parque ainda estava aberto. Ele entende o porquê da fama atual do lugar, mas se incomoda com o que escrevem sobre ele.
“Acho uma falta de respeito. Depois que fechou, as coisas ficaram paradas mesmo. Seria igual se alguém deixasse um carro parado. O pneu iria arriar, o motor iria colar. Se estivesse funcionando, não estaria assim. Mas tenho esperança de que isso aqui volte a ser o que era”, afirma Rodrigo.
Jefferson Reis diz que fazer isso está nos seus planos e também tem alguns outros projetos em mente para a área e o terreno em frente, do outro lado da estrada, que também pertence à família.
“Em vez das pessoas nos criticarem e atacarem, deveriam nos ajudar a procurar uma solução. Mas vamos reabrir o parque – e com recursos próprios. Vamos dar a volta por cima em pouco tempo.”
Tempo que não tem sido muito gentil com o parque de Albano Reis e consome o que ainda resta ali pouco a pouco, um papai noel por vez.
Galeria de Imagens
Via: BBC Brasil