Esse é um dos contos de fadas mais antigos já registrados, e com a maior quantidade de variações também (+ou- 700). Em algumas histórias, a fada madrinha é na verdade uma árvore que nasce sobre o túmulo da mãe da Cinderela. Vai entender.
Porém, a verdadeira versão é a escrita pelos irmãos Grimm publicada pela primeira vez em 1812. A partir desta, foram surgindo as outras versões desse “conto de fadas”. O trabalho é colocado não como forma positiva mas numa perspectiva submissa e humilhante, uma vez que é subentendido na narrativa como algo para classes inferiores, onde não há diversão nem honra nessa forma submissa de “manter-se vivo”.
Ser uma princesa, casar-se com um príncipe é a garantia de realização pessoal e romper com um mundo pequeno, sem valor e sem prazer gerado pelo fruto de seu trabalho !
Os Irmãos Grimm travam brilhantemente esse conflito, nesse conto mundialmente conhecido. Pra vocês, caro leitores, a versão nada doce de Cinderela!
A Verdadeira História da Cinderela
Certa vez a mulher de um homem muito rico adoeceu e, quando sentiu que a morte ia se aproximando, pediu á sua única filha que se aproximasse de seu leito e lhe disse:
– Minha querida filha, seja sempre humilde e dedicada para que Deus esteja sempre do seu lado, e, lá do céu, eu ficarei cuidando de você.
Dita essas palavras, fechou os olhos e morreu.
A menina ia todos os dias visitar a sepultura da mãe e chorava, sem jamais esquecer os conselhos maternos, continuava humilde e dedicada. Quando chegou o inverno, a neve formou um verdadeiro lençol sobre seu túmulo e, na primavera, com a chegada do sol, o lençol se desfez. Foi aí, então, que o pai tornou a casar-se.
A nova esposa trouxe consigo para casa, duas filhas que apesar da bela aparência, eram invejosas e abrigavam a maldade em seus corações. A partir de então, começou um período de muito sofrimento para a pobre menina.
– Essa boba vai morar conosco! Perguntaram elas. – quem quer comer pão deve fazer para merecê-lo. Ela que vá para a cozinha!
Tiraram-lhes as belas roupas, fizeram-na vestir uma velha túnica cor de cinza e, para calçar, lhe deram tamancos da madeira.
– Olhem só para a princesa vaidosa como ela está arrumada! Gritaram elas, rindo e empurrando a menina para a cozinha.
Ali tinha ela que trabalhar da manha à noite, levantar de madrugada, buscar água, acender o fogo, cozinhar e lavar. Além disso, suas irmãs tudo faziam para magoá-la; zombavam dela e jogavam grãos de lentilha e de ervilha na cinza para que a menina tivesse que recolhê-los. À noite, quando estava cansada, não tinha uma cama na qual pudesse se deitar, tendo que dormir ao lado do fogão, no meio das cinzas. E como sempre estivesse empoeirada e suja, passaram a chama-la de Cinderela.
Certa vez, como o pai tivesse decidido ir a uma feira, perguntou a suas filhas o que desejavam que ele lhes trouxesse.
– Belas roupas! disse a primeira.
– Pedras e pérolas preciosas! pediu a segunda.
– E você, Cinderela, o que quer de presente?
– Pai, na sua volta, traga-me o primeiro galho de árvore que bater em seu chapéu.
Ele comprou roupas, pérolas e pedras preciosas para as duas filhas de sua mulher, e na volta, quando cavalgava pela floresta, o galho de um arbusto fez cair o seu chapéu.
O pai de quebrou-o e o levou para a filha. Chegou em casa deu às irmãs o que elas tinham pedido e, para Cinderela, entregou o galho do arbusto, que era um tipo de amendoeira.
Cinderela agradeceu e foi ao túmulo da mãe, onde o plantou. A pobre menina chorou tanto que as lágrimas que rolavam de seu rosto serviram para regar a planta.
O pequeno galho cresceu e transformou-se numa bela árvore.
Três vezes ao dia Cinderela ia até lá, onde chorava e rezava, e todas as vezes vinha um pássaro branco que pousava na árvore e, cada vez que a menina manifestava um desejo, este era prontamente atendido pelo pássaro.
Aconteceu que o rei organizou uma festa que deveria durar três dias e para qual seriam convidadas todas as moças do reino, a fim de que seu filho escolhesse uma noiva entre elas.
Quando souberam que também compareceriam ao baile, as duas irmãs ficaram exultantes de alegria, chamaram Cinderela e ordenaram:
– Penteie nossos cabelos, escove nossos sapatos e aperte nossos cintos, pois vamos a um baile no palácio do rei!
A pobre cinderela obedeceu, mas começou a chorar, pois também gostaria de ir ao baile e, para isso, pediu permissão à madrasta.
– Você, Cinderela – falou ela – está toda empoeirada e suja e quer ir à festa? Você não tem vestido nem sapatos e quer dançar?
E, encerrando a conversa, disse:
– Eu despejei uma bacia de lentilhas nas cinzas do borralho; se, em duas horas, você juntar todos os grãos, poderá ir conosco.
A menina foi até o jardim pela porta dos fundos e chamou:
– Queridas pombinhas, todas as pombinhas, todas as avezinhas do céu, venham me ajudar a catar as lentilhas! As boas na panelinha! as ruins na goelinha!
Duas pombinhas brancas entraram voando pela janela da cozinha e logo depois mais outras e, finalmente, um bando de todas as avezinhas do céu pousaram sobre as cinzas.
E as pombinhas acenaram com a cabecinha e começaram a pic, pic, pic e os outros pássaros também começaram a pic, pic, pic, e juntaram todas as lentilhas, colocando as boas dentro da bacia.
Mal se passara uma hora, o trabalho já estava pronto e eles foram embora. Então a menina, contente, levou a bacia para a madrasta, pensando que assim poderia ir a festa. Mas ela falou:
– Não, Cinderela, você não tem roupas e não sabe dançar; todos zombariam de você.
A menina pôs se a chorar, e a madrasta então lhe disse:
– Se você conseguir, em uma hora, catar das cinzas duas bacias de lentilha, então poderá ir conosco. E pensou: “Isto ela jamais conseguirá”.
Depois de ter despejado as duas bacias de lentilhas na cinza, a menina novamente foi ao jardim pela porta dos fundos e chamou:
– Pombinhas mandas, queridas pombinhas, todas as pombinhas, todas as avezinhas do céu, venham me ajudar a catar as lentilhas! As boas na panelinha! as ruins na goelinha!
E pela janela da cozinha chegaram duas pombinhas brancas e depois mais outras e, finalmente, um bando de todas as avezinhas do céu pousaram na cinza.
E as pombinhas acenaram a cabecinha e começaram a pic, pic, pic, e colocaram todas as lentilhas dentro da bacia. Antes de se ter completado meia hora, todas já estavam prontas e voaram pela janela.
Então a menina, contente, levou a bacia para a madrasta, acreditando que agora poderia ir à festa. Mas esta tornou a falar:
– De nada adiante; você não pode ir conosco, pois não tem vestido e não sabe dançar. passaríamos vergonha por sua causa.
Dito isso, virou-lhe as costas e foi embora com as duas filhas orgulhosas.
Quando já não havia mais ninguém em casa, Cinderela foi até o túmulo da mãe e, debaixo da amendoeira, falou:
– Te sacode, arvorezinha, e balança, ouro e prata sobre mil lança!
Então o pássaro jogou um vestido bordado com ouro e prata e um par de sapatinhos feitos de seda e prata. Apressadamente a menina vestiu-se e foi à festa.
Suas irmãs e madrasta não a reconheceram e pensaram que fosse alguma princesa de algum reino distante, tão linda estava em seu vestido dourado.
jamais lhe passou pela cabeça que pudesse ser Cinderela, pois estavam certas de que ela ficara em casa, toda suja, catando lentilhas na cinza.
O príncipe, assim que a viu, foi ao seu encontro e, tomando-a pela mão, convidou-a para dançar. se algum outro jovem vinha tirá-la para dançar ele dizia:
– Esta é a minha dançarina.
Cinderela dançou até anoitecer, quando, então, quis voltar para casa. Mas o príncipe falou:
– Eu vou junto para acompanhá-la! Pois ele queria saber de onde vinha tão bela moça.
Mas ela conseguiu escapar, escondendo-se na casinha das pombas.
O príncipe esperou até que o pai da menina chegasse e lhe contou que ela havia pulado para o pombal.
O velho pensou “Será Cinderela?” e mandou buscar um machado para derrubar a casa das pombinhas, mas lá dentro não havia ninguém.
Quando entraram em casa, Cinderela estava deitada nas cinzas, com sua roupa suja, e só uma pequena lamparina acesa pendia da chaminé.
Ela rapidamente havia pulado pela parte detrás do pombal e, correndo até amendoeira, tirara o vestido e o colocara sobre o túmulo, de onde o pássaro o levou. Tornando, então a vestir seus pobres trapos, recolhera-se para a cozinha, deitando-se nas cinzas.
No outro dia, quando os pais e irmãs já haviam saído novamente para a festa, Cinderela foi até a amendoeira e falou:
– Te sacode, arvorezinha, e balança, ouro e prata sobre mil lança!
E o pássaro jogou um vestido ainda mais bonito que o do dia anterior.
Quando ela apareceu na festa, assim vestida, todos se admiraram da sua beleza. Mas o príncipe, que estava à espera de sua chegada, logo a pegou pela mão e com ela dançou toda a noite. Se algum outro jovem a convidava para dançar, ele dizia:
– Esta é minha dançarina.
Quando anoiteceu, Cinderela quis ir embora, e o príncipe a seguiu para descobrir onde ela morava. Mas ela conseguiu escapar dele pulando para o jardim que ficava atrás da casa. ali existia uma grande e linda árvore, na qual estavam penduradas as mais deliciosas peras, e ela subiu pelos galhos com a agilidade de um esquilo, de tal modo que o príncipe não pôde ver para onde ela tinha ido. O príncipe esperou até que o pai da menina chegasse e lhe falou:
– A jovem desconhecida escapou, eu acho que ela se escondeu na pereira.
O pai pensou “Serpa Cinderela?” e mandou buscar um machado para derrubar a árvore, mas lá não encontrou ninguém.
Quando entraram na cozinha, Cinderela estava deitada nas cinzas com suas roupas sujas. Como no dia anterior, a menina tinha pulado da árvore para o outro lado e, ás pressas, devolvera ao pássaro, pousado na amendoeira, o belo vestido, tornando a enfiar-se em sua roupa cinza e suja.
No terceiro dia, quando os pais e as irmãs já havia saído para a festa, Cinderela foi novamente à sepultura da mãe e pediu à arvorezinha:
– Te sacode, arvorezinha, e balança, ouro e prata sobre mil lança!
Então o pássaro jogou um vestido tão lindo e brilhante como jamais se vira outro igual, e sapatinhos feitos todo de ouro. Quando chegou ao palácio assim vestida, ninguém sabia o que dizer de tanta admiração. O príncipe dançou só com ela e, quando alguém a convidava para dançar, ele dizia:
– Esta é a minha dançarina.
Ao cair a noite, Cinderela quis ir embora, e o príncipe decidiu acompanhá-la, mas ela conseguiu escapar tão depressa que ele não pôde segui-la.
Desta vez, porém, o príncipe tinha posto em prática o seguinte plano:
Mandara passar piche em toda escadaria e, quando Cinderela desceu correndo, o sapatinho esquerdo ficou preso em dos degraus.
O príncipe o recolheu e viu como era pequeno, mimoso e todo de ouro. Na manha seguinte foi á casa do pai de Cinderela e lhe disse:
– A jovem em cujo pé servir este sapatinho de ouro será a minha esposa.
As duas irmãs ficaram felizes, pois tinham pés bonitos.
A mais velha pegou o sapatinho e foi para o quarto, pois queria prova-lo na presença da mãe.
Mas não conseguiu fazer com que seu dedão entrasse, porque o sapatinho era muito pequeno. Então a mãe lhe alcançou uma faca dizendo:
– Corte fora o dedão! Quando você for rainha, não mais precisará andar a pé.
A moça cortou fora o dedão e, fingindo não sentir dor, foi até ao príncipe. Este a levou no seu cavalo como sua noiva, tomando a direção do palácio.
Mas, ao passarem pela sepultura, que ficava no caminho, havia duas pombinhas pousadas na amendoeira que gritavam:
Ruc, ruc, ruc, ruc Há sangue no sapato! O sapato está muito pequeno! A noiva certa ainda está em casa!
Então o príncipe olhou para o pé da moça e viu como o sangue escorria pelo sapato. Dando meia-volta com o seu cavalo, levou a falsa noiva para casa e falou que essa não era a moça certa, e pediu que a outra irmã experimentasse o sapato.
Esta foi também até o quarto e conseguiu fazer com que seu dedão entrasse, mas desta vez quem não coube no sapatinho foi seu calcanhar, que era muito grande.
Aí a mãe lhe alcançou uma faca dizendo:
– Corte um pedaço do calcanhar! Quando você for rainha, não precisara mais andar a pé.
A moça cortou um pedaço do calcanhar, enfiou o pé no sapato, disfarçou a dor e foi até ao príncipe. Então ele a levou como sua noiva e cavalgou com ela em direção ao castelo.
Ao passarem pela amendoeira, as duas pombinhas gritaram:
Ruc, ruc, ruc, ruc Há sangue no sapato! O sapato está muito pequeno! A noiva certa ainda está em casa!
O príncipe olhou para o pé da noiva e viu como o sangue escorria pelo sapato e como manchava a meia branca.
Deu meia volta e levou a falsa noiva para casa.
– Esta não é a moça certa! falou ele. Vocês têm outra filha?
– Não! respondeu o homem, são a da minha falecida esposa, mas é uma pequena maltratada Cinderela, que certamente não poderá ser sua noiva.
Mesmo assim o príncipe mandou que a chamassem, mas a madrasta respondeu:
– Ah, não, ela está muito suja, não pode ser vista desse jeito.
Mas ele queria vê-la de qualquer maneira e, assim, tiveram que chamar Cinderela.
Rapidamente ela lavou as mãos e o rosto e, foi até ao príncipe, curvou-se diante dele, que lhe deu o sapatinho de ouro.
Então ele se sentou num banquinho, tirou o pé do tamanco pesado de madeira e o colocou dentro do sapato, que lhe serviu perfeitamente.
E, quando levantou e olhou no rosto do príncipe, este reconheceu a bela moça com quem havia dançado, e exclamou:
– Esta é a noiva certa!
A madrasta e as duas irmãs levaram um susto e empalideceram, mas o príncipe levou Cinderela e ajudou a subir na carruagem. E, quando passaram pelo portão, as duas pombinhas gritaram:
Ruc, ruc, ruc, ruc Não há mais sangue o sapato! O sapato não é pequeno! A noiva certa é essa mesma!
Dito isso, as duas pombas vieram voando e sentaram, uma no ombro direito e outra no ombro esquerdo de Cinderela.
Quando o casamento estava para realizar, as falsas irmãs, interesseiras como eram, procuraram se aproximar de Cinderela para partilharem de sua felicidade.
Quando os noivos estavam indo para a igreja, a mais velha colocou-se ao lado direito do casal, e a mais moça, do lado esquerdo. Então, cada uma das pombas arrancou com uma bicada um dos olhos de cada uma das irmãs.
Na saída a mais velha colocou-se do lado esquerdo, e a mais moça do lado direito. E então cada uma das pombas arrancou o outro olho de cada uma das irmãs.
E, assim, elas receberam o castigo merecido por sua maldade e falsidade, ficando cegas para o resto da vida.