No ano de 2004, o Japão e o mundo foram aterrorizados por um crime cruel, sangrento e de extrema frieza. A vida de uma criança de 12 anos se perdeu em uma sala de aula da escola onde estudava. O assassino? Uma criança de 11 anos, vítima de bullying e negligência, que acabou ganhando fama e sucesso por sua morbidez. Conheçam Nevada-tan, a pequena assassina japonesa.
Ano 2004. Escola Elementária Okubo de Sasebo, prefeitura de Nagasaki (Japão); uma escola como outra qualquer, em que as crianças brincam e aprendem. Uma pequena de 11 anos se destaca perante os demais. Se chama Natsumi Tsuji e é uma estudante modelo, tira notas estupendas e é apaixonada por basquete, cinema e internet. Seu QI era de 140.
Natsumi tem uma amiga de doze anos chamada Satomi Mitarai, são unha e carne e desfrutam de uma amizade invejável, entre brincadeiras e estudos. Porém, um dia, acontece um desentendimento entre as duas, uma discussão sobre o assunto ridículo de popularidade na escola acaba terminando com essa bela amizade. A puberdade é realmente absurda, pois adolescentes têm a tendência de valorizar coisas muito pequenas como popularidade, aparência e etc.
Nessa época, Natsumi já havia começado a se interessar pelo cinema japonês de caráter violento, sendo sua obra preferida o filme “Battle Royale”, um filme considerado culto, que relata uma situação insustentável de violência juvenil no Japão, que obriga o governo a largar anualmente um grupo de alunos em uma ilha, que devem matar uns aos outros para sobreviver. Outro de seus filmes favoritos é “Voice”, também japonês, conta a história de uma jovem que enlouquece e se transforma em uma assassina. A menina foi se afastando cada vez mais dos estudos e fechando-se. Criou uma página na web exclusivamente dedicada ao mundo do terror, violência extrema, hentai violento e gore com direito a mutilações, sangue e escatologia. Ela tinha apenas 11 anos.
Sua colega e antiga amiga “Satomi” fez um comentário na internet chamando Natsumi de “gorda”. Uma pré-adolescente com a cabeça no lugar provavelmente teria ignorado o assunto, mas com Natsumi foi diferente. Ela já tinha criado algo macabro dentro de si, não saía de casa e a internet era seu único refúgio social. Sua mãe lhe obrigou a largar o basquete e dedicar seu tempo integralmente aos estudos, já que suas notas estavam indo de mal à pior. Posteriormente ela voltou a jogar basquete, mas desta vez, abandonou-o por si mesma. Se encontrava totalmente deslocada.
No dia 1º de junho do ano de 2004, Natsumi Tsuji levou sua colega Satomi Mitarai a uma sala de aula vazia. Vendou seus olhos com a desculpa de que queria fazer um jogo com ela, e ali, sem mais nenhuma palavra, degolou a menina a sangue frio com seu estilete, e ainda lhe causou vários outros cortes nos braços. Após isso, com a roupa e mãos ensanguentadas, voltou para a aula como se nada tivesse acontecido. Seu professor, ao vê-la coberta de sangue e com o estilete na mão, soltou o alarme e logo descobriu a terrível verdade.
A polícia deteve a menina assassina, enquanto de sua boca o único que se escutou foi “Fiz algo errado, certo? Eu sinto muito.”. Para os médicos, já era tarde demais, eles apenas puderam constatar a morte de Satomi. Uma alma de doze anos se foi, sem ter vivido o suficiente. Mais tarde foi descoberto que algumas semanas antes, Natsumi havia protagonizado um episódio violento dentro da sala de aula, em que ameaçou um colega com o mesmo estilete que usou para assassinar Satomi.
A menina passou a noite na delegacia de polícia. Inicialmente não mencionou o motivo de seu ato, mas um pouco depois confessou aos policiais que havia assassinado Satomi Mitarai por causa das mensagens que viu na internet, como comentários sobre seu peso.
A pequena homicida foi julgada em 15 de setembro de 2004 e sentenciada a 9 anos de internamento no reformatório da prefeitura de Tochigi. O governo japonês é muito discreto com a privacidade dos crimes cometidos por menores, e proibiu que os meios de comunicação divulgassem o nome da menina. Os noticiários a chamavam de “Menina A”. Entretanto, um jornalista da Fuji TV, não se sabe se propositalmente ou por descuido, revelou seu verdadeiro nome, Natsumi.
É agora que começa a parte mais doentia de toda a história. Na fotografia a seguir, pode-se ver Natsumi (a assassina) à esquerda e Satomi (vítima) à direita, ambas identificadas com uma flecha vermelha. Nesta foto, a menina estava vestindo um moleton azul em que pode-se identificar a palavra “NEVADA” (da universidade de mesmo nome, em Reno) em letras brancas. Foi daí que surgiu o apelido de Nevada-tan, o que, em japonês, vem a significar algo como “a pequena Nevada”, fazendo alusão à inscrição de sua vestimenta. Em outro lugares também a conhecem como Nevada-chan.
Nevada-tan teve todos os ingredientes perfeitos para converter-se em um mito para uma multidão de indivíduos na internet. Uma menina de 11 anos, colegial, japonesa, violenta e assassina; o que mais querem os amantes de mangá e hentai? Os otakus mais pervertidos e anti-sociais ganharam sua heroína.
A figura de Nevada-tan começou a ficar popular e fóruns japoneses tipo imageboard como 2chan (seguido posteriormente, como não, por todos os outros fóruns anônimos) foram os primeiros a criar o meme que daria a volta ao mundo, persistindo até os dias de hoje. A menina foi elevada há uma categoria de semi-deusa e se converteu em um ícone macabro de adolescentes doentes e mesquinhos. Surgiram desenhos e representações, um mais sinistro que o outro, virou moda o cosplay de Nevada-tan (como o da fotografia que encabeça este post), surgiram multidões de fanfics e fanarts do assassinato, fotografias da menina (não se sabe se reais ou não) e material de todo tipo. Um grupo alemão de música, chamado Pan!k mudou seu nome para Nevada-Tan e até o grupo australiano Love Outside Andromeda dedicou a letra “Boxcutter, Baby” para ela. Tudo justificado por um cruel assassinato.
Menção especial ao grupo Fecal Matter Discorporated, que dedicou uma canção e um disco inteiro, segundo eles mesmos, “à ela e a todas as pequenas assassinas japonesas”.
Também apareceu uma espécie de hino ou canção na internet, segue a letra:
Essa garota com tanta raiva,
Essa garota lá da escola.
Olhe aqui, Neva,
Há algo especial em seu estilete.
NE-VA-DA!
Por favor, por favor, não me machuque.
Vai apunhalar meu pescoço.
Não, não, não! Não me mate!
NE-VA-DA!
Essa garota se tornou popular
Essa garota com seu desejo especial de “bom dia”.
Olhe aqui, Neva.
Há algo especial em seu estilete.
NE-VA-DA!
Por favor, por favor, não me corte!
Meu sangue vermelho se espalhará por toda parte.
Não, não, não! Não me mate!
NE-VA-DA!
Nevada-tan passou de uma assassina para a personificação de uma rebeldia alternativa e violenta, ansiada por um amplo grupo de jovens de todas as partes do mundo. Porém, alguém já parou para pensar na menina e em sua família? Algum desenhista, enquanto divulgava sua admiração por ela, pensava que ela havia assassinado a sangue frio uma menina de doze anos? O que os jovens japoneses precisavam expressar quando se fantasiavam de Nevada-tan? O que lhes causou tanta raiva a ponto de esquecer a morte de uma menina inocente?
Natsumi Tsuji não é uma figura que deva encobrir, ao contrário. Representa o monumental fracasso do sistema educacional e assim se fez chegar ao governo japonês da época, Nevada-tan era uma menina que destilava violência e nem seus pais, tampouco seus professores perceberam isso a tempo. Se uma criança de 11 anos passa horas na internet fazendo desenhos de caráter agressivo, assistindo filmes de violência extrema, não sai mais de casa, larga os estudos e os amigos, algo não está bem. Quem já assistiu “Battle Royale” sabe que não é um filme para crianças de 11 anos.
Obviamente o problema não está na internet, mas sim nas pessoas. Primeiramente nos pais e professores que foram incapazes de perceber a tempo que algo estava errado com Natsumi, para poder ajuda-la. Segundo, na colega que praticou bullying com a menina e acabou por se tornar uma vítima, posteriormente. Terceiro, no sistema educacional que não consegue fazer uma criança distinguir o certo do errado. E em quarto e último lugar, vem os adolescentes que endeusaram a menina, sem levar em conta que isso não é uma brincadeira. Uma vida foi perdida e outra vida foi condenada. Ambas as meninas têm famílias, que foram completamente destruídas pelo tamanho da tragédia. A escola em que estudavam, seus colegas, professores, e até mesmo as pessoas próximas a elas como vizinhos, foram traumatizados de uma forma brutal. O que os usuários fizeram na internet foi muito doentio. Crianças são influenciáveis, agora imaginem se outra menina vê tudo isso, sente vontade de ser adorada como Nevada-tan e acaba por cometer um crime do mesmo nível? Mais crianças, famílias, professores seriam atingidos, mais vidas destruídas e a troco de quê?
Em 2010 Nevada-tan completou 18 anos e ainda faltavam mais 3 anos para sair do internamento. Se fala muito sobre ela e sobre o que será dela quando sair. Eu só espero que o tratamento que ela teve com psicólogos, psiquiatras e educadores tenha efeito e ela consiga se redimir com a vida e com seu passado.