Estava deitado, nervoso total, era a primeira vez na minha vida que eu seria operado. Durante dois anos, comecei a sofrer de uma insuficiência cardíaca e o Dr. Simon tinha decidido que era hora de operar, para não continuar sofrendo.
Cidades pequenas têm esses problemas: único hospital e todos se conhecem!
O anestesista chegou e me disse, com sarcasmo:
“– Tá na hora do “boa noite Cinderela”, amigo!”
Respirei fundo, fechei meus olhos e senti a picada. Em pouco tempo adormeceria profundamente e, ao acordar, estaria meio tonto na sala de recuperação.
Não sei quanto tempo se passou, só sei que abri os olhos e vi o Dr. Simon, que se aproximava com o bisturi na mão direita. Tentei falar com ele, dizer algo para que ele percebesse que eu ainda estava acordado.
Mas ele parecia que sabia e esboçou um sorriso maligno, dizendo:
“– Esta será a maneira “de me pagar”, por ter engravidado a minha filha e a ter abandonado! Fique tranqüilo, não vou te matar agora, só vou mexer no teu… coração!”
Nesse momento um medo galopante atravessou meu corpo. Queria me levantar, fugir, gritar, mas a tal anestesia finalmente estava fazendo o seu trabalho. Mais um tempo inconsciente se passou!
Quando acordei, eu estava amarrado e em pé! Sentia minha cabeça atordoada e lentamente abri os olhos, pensando se tudo tinha sido um sonho ou se, realmente, eu enfrentava um pesadelo.
Prá começar, eu estava prisioneiro! Olhando ao meu redor, pude notar que eu estava num local com aspecto assustador, todo escuro, sem nenhuma janela, parecia mais uma adega. Além disso, sentia um cheiro forte de carniça, como um animal morto.
Tentei gritar, mas da minha boca não saía nenhum ruído, apenas um pequeno gemido, quase inaudível.
Seria delírios, por causa de meu estado pós operatório? Ou será que o médico cortou minhas cordas vocais mesmo? E por que? Sentia muito desconforto, tanto na garganta como nas costas e ainda estava tonto.
Olhei para uma mesinha que estava na minha frente, onde havia uma carta aberta e uma fraca iluminação, suficiente apenas para ler. Um suor gelado percorria meu corpo. A carta era do médico e nem nos meus piores pesadelos, eu poderia imaginar o que estava acontecendo. Uma onda de terror invadiu o meu ser, pois a carta dizia:
“Você foi um verdadeiro desgraçado com a minha filha – a razão do meu ser, a luz dos meus olhos!
Ela apaixonou-se por um ordinário como você, que a engravidou e abandonou-a. Ela caiu em uma forte depressão, tanto que atentou contra sua vida e morreu.
Quando a corda com que ela se enforcou, lhe restava um hálito de vida, pediu-me perdão por ter se suicidado e matado o meu futuro neto. Ela não podia falar muito, as palavras mal lhe eram compreendidas. Tinha a garganta destroçada, mas disse-me “que não guardava rancor de você”, mesmo que “ainda te amava” e fechou os olhos para sempre.
Devo admitir que as lágrimas saíram de meus olhos, sem poder contê-las!
O seu último desejo, era “dela estar com você”. Por isso, depois do enterro, tirei o corpo da minha filha, cortei o tronco e prendi-o cirurgicamente nas suas costas.
Assim, ela estará com você, enquanto você viver. Que não será por muito tempo, já que ela está se decompondo e logo as emanescências cadavéricas rapidamente vão te afetar.
Além disso, você está trancado em uma adega e num lugar abandonado, muito longe da estrada mais próxima. Danifiquei suas cordas vocais, para que você não possa gritar.
Morrerá de fome, sede, frio e com o cadáver putrefacto da minha filha colado às suas costas. Isso irá lembrar-lhe de todo o mal que você causou à uma mulher, que só o que ela fez de errado foi ter conhecido você.
Ah, sim! Seus pais e familiares: arranjei um mendigo já falecido, que eu “atestei sendo você”, em decorrência de complicações na mesa de cirurgia, pela constatação súbita de um avançado estado de Covid-19, recomendando caixão lacrado. À essas horas, já deve ter sido sepultado.
Daqui alguns dias, esta casa em que você está agora, será incinerada.
P.S.: Vá para o quinto dos infernos!”
Passaram-se poucos dias e me sinto muito fraco, com fome, sede e também com febre e calafrios.
Já me acostumei ao cheiro terrível de carniça, que sai da parte de trás do meu corpo, assim como o turbilhão de larvas e moscas que me atormentam…
Mas o que eu não me acostumo, o que mais me desespera, é ouvir a voz dela o tempo inteiro, rindo de mim, me dizendo que ela e o bebê me esperam no inferno.
E esse Dr. Simon, conseguiu o seu doutorado em vingança!
De Johnny Noriega, da obra “Elixir del Miedo”.