Era o mais puro e perfeito horror, pensou ele, os olhos em movimento, esquadrinhando a cena. Estava na estrada já há alguns meses… Em busca de iluminação? Não. Para viver uma vida mais plena, desapegado, new beatnik? Nem tanto assim. Para que então? Por simples prazer. Sem maiores explicações transcendentais. Só gostava e pronto.
O complicado era que não esperava se deparar diante do horror. Sim, sabia das carências que teria que encarar. Fome, sede frio, relento, cansaço, discriminações e todas as diversas privações de que a carne é herdeira, parafraseando Shakespeare. Se preparara até para os horrores da violência dos caminhos, mas não aquilo.
Tinha se juntado a um grupo, por vezes fazia isso quando encontrava outros andarilhos trilhando caminhos comuns. Este era bem voltado para práticas esotéricas, religiosas, faziam rituais no caminho, mas ele não se importava, apenas olhava curioso. Mas foi então que, naquela estrada, tinham ido se abrigar nas ruínas da velha casa.
Estava frio, fizeram uma fogueira, se reuniram ao redor. As garotas resolveram fazer mais um ritual, invocação. Ele mais uma vez se limitou a olhar. Ficou observando, esse era esquisito, tinha sangue, juras, um misto doido retirado de livros que supostamente continham segredos de religiões pagãs, textos da internet, não se sabe como, selecionados em meio a tantas bobagens que bem sabemos que existe na rede. Então fizeram a coisa com sangue e fogo. Aproveitando a fogueira que servia mesmo para aquecer, gotas de sangue dos participantes… Pretendiam abrir um caminho para a deusa antiga que ele não lembrou o nome nem antes e nem depois.
A coisa começou a ficar estranha, um frio insuportável, mesmo diante do fogaréu. Um vento e urros, tudo acontecendo tão rápido como num filme de terror. Então todos ouviram o estalar do que pareciam ser ossos quebrados.
Silêncio, apenas o frio tomando conta do ambiente que antes fora uma sala de estar. Por um momento ele pensou que se limitaria aquilo, coisa interessante de contar e ouvir no dia seguinte… Mas aí, as criaturas surgiram das sombras. Das grandes sombras do interior da residência e até das pequenas e trêmulas projetadas pelas pessoas ao redor. Eram criaturas com braços e pernas enormes, semelhantes a aranhas, algumas escuras, outras diáfanas, outras ainda com peles e texturas animalescas como répteis e mamíferos. Um fedor indescritível veio com elas.
Adentraram ao recinto desembestadas, gritando e urrando, derrubando as bagagens e apetrechos. As pessoas tocadas por eles, ficaram arranhadas, cheias de hematomas no rosto, braços e pernas. As tais coisas se movimentaram ao redor, como num redemoinho endiabrado de bestas travessas. Em todo o momento ele não acreditava nos próprios olhos, naquele pânico, naquelas aparições, nos gritos misturados de gente e demônios, ou que fosse aquilo. Não estava sonhando, não estava drogado, muito menos louco.
Algumas pessoas tentaram fugir, mas foram violentamente derrubadas no chão. Estava claro que aquelas entidades exigiam a presença de todos. Ficou claro que vieram para causar um pânico de três minutos e foi o que fizeram. Durante todo esse tempo se manifestaram no ambiente, rolaram no chão, entre as pessoas, gritando a atingindo tudo. No fim, pareceu para ele que era uma coisa apenas jocosa, um recado de que muito pior podia ter sido feito. Não era uma boa ideia manter contato com o outro mundo de maneira leviana, o recado estava dado.
Da mesma maneira que vieram, os monstros sumiram, a temperatura voltou ao normal. Do caos só ficaram as pessoas chorando, mãos no rosto, estarrecidas em seus lugares. E ele, lívido, petrificado, olhando ao redor, consciente de que estivera diante do mais puro e imprevisível terror.
ESCRITO POR: Jorge Raskolnikov