Eu tinha sete anos de idade e estava brincando com meu irmão e meus dois primos. Estávamos sozinhos, na casa do nosso avô. Um casarão enorme, cheio de histórias estranhas e mobília antiga. Um lugar perfeito que me interessava e assustava… Capaz de me entreter por horas.
Era uma noite de domingo, todos os adultos haviam saído, dado mil recomendações para nós. Embora meus primos e meu irmão, todos mais velhos que eu, tivessem acenado positivamente para todas as orientações, nós já tínhamos desobedecido quase toda a lista. Um dos meus primos, o mais velho, havia queimado uma panela numa tentativa desastrada de fazer brigadeiro. Praticamente todas as luzes da casa estavam acesas e as coisas que não deviam ter sido tocadas, estavam fora do lugar.
Depois de um jogo de tabuleiro, eles pareceram aborrecidos e começaram a contar histórias de terror. Como era noite e estávamos naquele lugar, fui ficando bastante assustado. Pedi para que eles parassem com as histórias, mas em respostas eles começaram a direcionar para mim os relatos assustadores. Toda narrativa – agora adaptadas toscamente – terminavam com alguma tentativa de me aterrorizar. O pavor foi crescendo e eu comecei a chorar. Mas eles, divertindo-se com meu sofrimento, continuaram as brincadeiras.
Não suportei mais e corri. Estávamos na cozinha e fugi pelo imenso corredor, passei pela sala principal, sala de visitas, jardim e cheguei na calçada. Precisava urgente ver outras pessoas além deles. Mas na rua reinava a mais profunda melancolia do dia de domingo. Não havia viva alma.
Olhei para um lado e outro ainda com as lágrimas nos olhos e desejei muito que algum adulto chegasse. Mas ninguém veio me socorrer em minha miséria, vítima da típica maldade das crianças, dos seres humanos descobrindo o sadismo. Em um momento eu olhei para trás, temendo que meus algozes viessem me atormentar, mas não houve sinal deles. Provavelmente tinham encontrado alguma atividade mais divertida.
Começava a me sentir aliviado quando, ao voltar os olhos para a rua, vi um motoqueiro parar diante de mim. O homem me olhou fixamente e sem deixar de me encarar, desligou a moto e começou a descer do veículo. Sua atitude e olhar me pareceram tão intimidadores, pavorosos que explodi num grito de terror e corri para dentro de casa, chorando e pedindo socorro.
Meus primos e irmão me encontraram no corredor. Eu devia ter uma expressão de pavor tão intensa que eles não tiveram coragem de fazer outra coisa a não ser tentar me consolar. Falei o que tinha acontecido. Meu primo mais velho correu até lá fora, mas logo voltou dizendo não ter visto ninguém. Chorei muito ainda, abalado e me sentindo desamparado.
Eles me deram água com açúcar e disseram que me assustara à toa, que o homem provavelmente só parara para pedir informações ou qualquer outra coisa inofensiva. Que eu só estava impressionado, pensando nas coisas que eles tinham falado pra me apavorar.
Experimentei mais tranquilidade quando, uma hora depois, meus pais chegaram. Também vieram meu avô, tios e tias. Todos ouviram a história e fizeram cogitações. Algumas graves: isso devia ser um maníaco perigoso… Outros: ele se assustou à toa, não era nada demais.
Semanas depois então começou o sumiço de crianças no bairro. Foram quatro ao todo. Logo surgiram testemunhas de que um estranho motoqueiro rondava o bairro à noite, que alguém tinha visto quando ele pegou uma menina. Em uma ocasião, o vigilante de um prédio se deparou com um motoqueiro em atitude suspeita, parado numa esquina. Quando abordado, tentou atropelar o vigilante que respondeu disparando sua arma contra ele. O homem jurou tê-lo acertado cinco vezes, mas sem dano algum.
Lembraram minha história, o pânico se generalizou, se confundiu. Era um maníaco de carne osso ou uma coisa do outro mundo? Enquanto familiares dos desaparecidos choravam, o resto temia. Eram os anos oitenta, colorido e obscuro, prolífero em lendas urbanas.
Os sumiços cessaram junto com os supostos aparecimentos do motoqueiro misterioso. Nada de concreto foi apurado, nem aquelas crianças jamais voltaram para casa. Às vezes eu, meus familiares e amigos lembramos do caso e eu sempre recordo daquele domingo.
Eu bem que podia ter sido uma daquelas vítimas, pois acredito totalmente que aquele motoqueiro fora o responsável por tudo.
ESCRITO POR: Jorge Raskolnikov