Iskra era conhecida como a Dama das Bonecas. Nossa aldeia era pequena e não éramos ricos. Tínhamos água fresca e o suficiente para comer, mas não tínhamos mais que isso. Os meninos da aldeia tinham alguns brinquedos de madeira – carroças, cavalos e soldados esculpidos por nossos pais, mas toda menina tinha uma linda boneca. Iskra é quem se certificava disso.
O marido de Iskra era fazendeiro e o homem mais rico da vila até que seu coração parou. Iskra nunca tinha dado à luz, mas ela amava as crianças da aldeia como se fossem suas. No sexto aniversário de cada menina, a mulher as presenteava com uma linda boneca. As bonecas eram da melhor qualidade, compradas em uma cidade distante e ela mesma fazia as roupinhas delas com muito amor. As meninas adoravam as suas bonecas e e Iskra ficava muito feliz por isso. Tinha sido assim por muitos anos.
Mas não era para ficar assim.
Em seu sexto aniversário, a pequena Klavdiya recebeu a sua boneca. Tinha um vestido verde e grandes olhos de vidro. Ela a levava para todos os lugares, como a maioria das garotas da cidade faziam. Quase uma semana após seu aniversário, estávamos brincando nos campos quando Klavdiya desmaiou. Nós a carregamos até seus pais o mais rápido que pudemos. O médico veio e disse que ela estava com uma febre forte e bastante perigosa. Ele não estava errado, pois em poucos dias a febre ceifou sua vida.
Antes de a notícia de sua morte se espalhar, a mãe de Klavdiya correu até a casa de Iskra e estilhaçou a boneca da menina na porta da casa da mulher. Ela gritou, gemeu e chorou dizendo que foi a boneca que fez a filha adoecer, que Iskra era a culpada por isso. Disse que a mulher teria lançado uma maldição maldosa sobre sua filha. Iskra abriu a porta e começou a chorar de tão chateada com a acusação.
A mãe de Klavdiya foi levada pelo marido e todas as pessoas na aldeia concordaram que ela foi dominada pela dor e descarregou a sua raiva na pobre mulher. Mas notei que alguns dos adultos foram menos amigáveis com Iskra a partir de então, apesar do que nos disseram.
Alguns meses se passaram e o aniversário da minha irmã Nika estava perto. Iskra, a Dama das Bonecas, não era vista há alguns dias e, quando chegou o aniversário da minha irmã, sabíamos o por quê. Então a mulher presenteou-a com a boneca mais bonita que já tínhamos visto. Tinha enormes olhos azuis e ela fizera um elaborado vestido azul para ela. Parecia que Iskra queria acalmar os medos da aldeia e mostrar que ela era uma boa pessoa. Esta boneca, na qual ela havia despendido tanto tempo e esforço, era sua maneira de provar isso.
Exatamente duas semanas após seu aniversário, minha irmã Nika morreu de febre. Meu pai quase enlouqueceu de dor. Por dois dias inteiros ele ficou sentado dentro de casa, apenas segurando a boneca de Nika e chorando. Então ele foi ver Iskra.
Era como assistir a mãe de Klavdiya tudo de novo. Meu pai gritou, praguejou e cuspiu nela. Ele esmagou a boneca contra a porta de Iskra e gritou que ela era uma bruxa, que ela amaldiçoou a boneca e fez Nika morrer. Iskra chorou e tentou protestar sua inocência, mas caiu em ouvidos surdos. Passados alguns minutos, o meu pai foi arrastado pelo médico e a mulher voltou para a casa dela, tal como antes. Desta vez, porém, não parou por aí.
Um por um, os aldeões vieram e colocaram as bonecas que Iskra lhes dera em sua porta. Lembro-me de vê-los todas sentadas em uma grande pilha. Vinte anos de presentes, todos devolvidos. Nunca vimos Iskra levá-las para dentro, mas elas tinham sumido no dia seguinte.
A Dama das Bonecas nunca mais foi vista saindo de sua casa. Às vezes, eu via seu rosto através de uma janela enquanto ela olhava para as crianças brincando do lado de fora. Seu rosto estava pálido e magro e seus olhos estavam arregalados e vermelhos de tanto chorar. Ela parecia a própria personificação da loucura. Eventualmente, não vimos mais o rosto dela, e Iskra, a Dama da Boneca, foi quase esquecida.
Os anos se passaram e saí da aldeia. Às vezes eu me pegava pensando em Iskra, com seus olhos vermelhos e fixos, e sentia pena dela. Nunca acreditei realmente que ela tivesse machucado alguém. Achei que fosse tudo mera coincidência e que ela tivesse sido acusada injustamente por supersticiosos habitantes da cidade em busca de um bode expiatório. Eu ainda acredito nisso.
Por conseguinte, em um verão, recebi uma carta de meu pai. O poço da aldeia secou e as pessoas restantes estavam abandonando a aldeia para se mudar para uma cidade próxima. Voltei para ajudar meu pai a juntar suas coisas e para ver a aldeia uma última vez.
Enquanto colocávamos o último de seus pertences no carrinho, olhei para a casa de Iskra. Havia buracos no telhado e as janelas estavam rachadas e quebradas. Perguntei ao meu pai o que havia acontecido com o Iskra. Ele disse que não sabia e que não se importava. Ela não era vista desde o dia em que a vi olhando pela janela, tantos anos atrás.
Ela estava morta? O corpo dela permaneceu na casa, insepulto? Ninguém sabia. Senti uma estranha tristeza de perda. Embora o sol estivesse se pondo e a luz diminuindo, parti em direção à casa dela.
Meu pai me pediu que não o fizesse, dizendo que não adiantava entrar. Eu não dei ouvidos a ele, pois precisava saber o que havia acontecido à Iskra, talvez até enterrar seus restos mortais, se necessário. Me senti de alguma forma responsável, como se devesse ter falado em sua defesa quando ela foi acusada de causar a febre que matou àquelas meninas, mas quem teria me ouvido naquela época? Eu era apenas uma criança.
A porta da casa se abriu com um empurrão firme. Estava bastante escuro lá dentro. Pude distinguir uma camada de poeira e teias de aranha cobrindo tudo. Havia um leve cheiro de carne podre, mas além de algumas cadeiras e um fogão, não havia nada de muito interessante no andar de baixo.
O cheiro foi ficando cada vez mais forte enquanto eu subia as escadas. Comecei a ficar com medo quando me aproximei da cama coberta de poeira. Era quase certo que seus restos mortais estavam ali. Ela adoeceu e morreu na cama, assim como Klavdiya e Nika. Eu tinha certeza disso.
Porém, quando me aproximei da cama, tornou-se óbvio que ela estava vazia. Os lençóis ainda estavam dobrados ordenadamente em cima da cama. Não havia sinal de Iskra. Talvez ela tivesse deixado a aldeia. Será que ela fugiu de noite quando ninguém estava olhando?
Virei-me para descer as escadas quando vi a escada que levava ao sótão. Eu olhei para cima e pude ver que o alçapão estava fechado. Testei a escada, que ainda era resistente, e subi. O alçapão se abriu facilmente.
O cheiro era muito pior no sótão. Os últimos raios de luz do dia brilhavam por um buraco no telhado e, quando olhei em volta, meu coração deu um salto. Consegui distinguir rostos pequenos espalhados pelo chão do sótão! Mas depois de um momento eu percebi que eles, é claro, pertenciam às bonecas de Iskra.
Todas as bonecas que a mulher já fez e doou foram colocadas aqui. Enquanto eu caminhava pelo local, pude vê-las claramente. Os anos não foram bons com elas. Estavam rachadas e danificadas e seus vestidos manchados pela chuva.
Eu estava começando a ficar com medo. Dei mais alguns passos adentro e vi algo se mover com o canto do meu olho. Eu me virei, mas não havia nada lá. Eu dei um passo adiante e aconteceu novamente. Então pensei ter ouvido uma voz sussurrada e fiquei muito assustado. Resolvi sair dali e voltar para o meu pai.
Voltei-me para a escada e fiquei surpreso ao ver a Dama das Bonecas parada na minha frente. Ela era um cadáver em decomposição com olhos vermelhos grandes e fixos. Ela gritou na minha cara, um grunhido sobrenatural que me abalou profundamente. Gritei e passei por ela correndo, desci as escadas e saí feito foguete pela porta da frente. Enquanto corria para fora de casa, pude ouvir uma risada estridente e risonha.
De volta ao carrinho, meu pai me perguntou o que havia acontecido. Eu estava quase sufocando de medo e mal conseguia falar. Saímos da aldeia imediatamente e eu sequer olhei para trás. Uma hora depois, eu ainda estava tremendo, e uma hora depois disso, ainda podia sentir o fedor de carne podre.
Por fim, consegui contar a meu pai o que tinha visto. Ele disse que era o castigo de Iskra por matar as crianças … ficar presa entre a vida e a morte. Ainda não estou convencido. Eu ouvi a risada louca que veio de seu crânio ressecado. Eu me pergunto se enlouquecida pelas falsas acusações, ela enganou a morte para algum dia se vingar daqueles que a trataram com injustiça?
Talvez eu esteja sendo tão paranoica e tola quanto aqueles que a acusaram de dar brinquedos malditos tantos anos atrás… Tudo que sei com certeza é o que vi com meus próprios olhos… uma criatura que deveria estar morta há muito tempo, mas estava muito, muito viva.
Agora que cresci e tenho minhas próprias filhas, eu não as deixo brincar de boneca.
ESCRITO POR: ScaryForKids
TRADUZIDO E ADAPTADO POR: Mundo Sombrio
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