No Fim Desta Rua

por Mundo Sombrio
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No fim desta rua há um velho homem que já morreu, seus olhos são negros como sementes podres, sua pele é enrugada e seu cabelo caiu quase todo, os fios que ainda estão lá são brancos como a lua e revelam uma velhice dolorosa. Ele me vê passar todos os dias com a minha mochila enquanto caminho vagarosamente pelo beco o qual ele mora, à caminho do meu ofício. Seus olhos deambulam cegos enquanto me evitam como que envergonhados, seu rosto carrega um aspecto consternado, como quem já se cansou de encarar as dores dos homens, e hoje, esses olhos velhos e cansados observam apenas a vastidão da dúvida e a sutileza da solidão que os rodeia. São olhos cansados de duvidar de tudo e de ser açoitado por todos, sua voz é baixa e monocórdica, seu rosto é pálido e seus braços são magros, caídos e longos como galhos tortos.

Quando passar por esta rua, sei que escutarei aquela pergunta infernal a qual ele me faz todos os dias, e logo em seguida virão os gritos, os quais não sei se são gritos de dor, de desespero ou solidão, mas sei que são tão assustadores e tristes que mesmo que tenham sido para mim…Se tratam de algo muito maior que eu, é sobre uma dor, um pedido de ajuda o qual ninguém poderia realizar, na verdade, não são gritos por socorro, não é um pedido de ajuda… é um desabafo. Um consolo que ele entrega ao mundo para que não se sinta culpado, mas para que entenda a sua dor, e mesmo que você não consiga entender o que está sendo dito, ainda assim é transparente a sonoridade da aflição e da incansável persistência em sua voz, que de um jeito muito estranho e gutural consegue me passar a sensação penosa de desistência.

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De longe é possível ouvir os seus murmúrios e seus gritos transformam sua voz em uma linha ténue e única de destruição, como uma agulha grossa penetrando a carne viva, sem fazer barulho algum mas destruindo todos os sentimentos que ainda restam naquela alma corrompida em completa agonia. Seu grito é um sussurro desesperado, um pedido adormecido de um homem afundado na monotonia da própria existência, uma melancolia que persegue meus ouvidos por mais longe que eu esteja, é uma carta suicida sem voz, uma faca cega que esqueceram de afiar.

Ele sempre me oferece a mesma dúvida, me diz sempre a mesma coisa todos os dias em que eu passo pela sua casa, faz com que eu duvide da minha própria sanidade, enquanto, acredito eu, ele mesmo duvide da sua. Uma pergunta que me atormenta nos meus mais íntimos momentos e mesmo agora, me treme os ossos. É como uma faca de dois gumes; nenhum de nós dois quer que a resposta seja negativa mas nós dois sabemos que esta é a mais provável. Eu confesso que sinto medo deste velho homem, mas é um medo diferente como algo ancestral que penetra minha alma e faz meus joelhos tremerem e não há uma noite em que eu consiga dormir sem ouvir ecoar na minha cabeça aquela voz

firme e assombrosa me perguntando…

“Ainda estou vivo?”

Ainda estou vivo? Ele me pergunta ao passar, com seus olhos caídos, com sua voz rouca que ecoa por uma garganta oca, o rosto velho, enrugado, morto. “Ainda estou vivo?” eu escuto ele repetir enquanto me afasto e os murmúrios começam outra vez… O desespero, a angústia…

Eu nunca tive a coragem de diminuir os meus passos para respondê-lo ou olhar diretamente em seus olhos por mais de alguns segundos, confesso que o meu instinto na maioria das vezes apenas me diz para ignorá-lo ou fingir que não o ouvi e geralmente é o que eu tento fazer, mas mesmo apavorado com o tormento dessa alma coitada e enlouquecida eu sempre acabo sussurrando de volta…

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“Está?”

Por: Matheus Matos

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